Em uma das revelações mais curiosas do desenvolvimento de jogos recentes, descobrimos que a tão aguardada reformulação do sistema de perseguição policial em Cyberpunk 2077 teve uma fonte de inspiração inusitada: o clássico arcade Pac-Man. Parece estranho, não é? Mas quando você para para pensar, faz todo o sentido. A busca por uma mecânica de perseguição que fosse ao mesmo tempo desafiadora e previsível para o jogador levou os desenvolvedores da CD Projekt Red a olhar para trás, décadas atrás, para um dos pilares dos videogames.

De Fantasmas a Max-Tac: A Conexão com o Labirinto

A analogia é mais profunda do que parece à primeira vista. Em Pac-Man, os fantasmas (Blinky, Pinky, Inky e Clyde) seguem padrões de comportamento distintos, mas previsíveis. Eles não simplesmente "teleguiados" pelo jogador; cada um tem uma lógica própria de perseguição, dispersão e patrulha. Foi essa ideia de "inteligência por padrão" que cativou a equipe. Em Night City, a polícia não seria mais uma força onipresente e onisciente que se materializa magicamente atrás do jogador. Em vez disso, as unidades de Max-Tac e os NCPD seriam implantadas de forma mais orgânica, respondendo a chamados, patrulhando distritos e escalando sua resposta com base no nível de ameaça – uma coreografia de caça muito mais parecida com a dança mortal no labirinto do Pac-Man.

Na minha experiência jogando após a atualização 2.0, essa mudança é palpável. Antes, fugir da polícia era uma experiência frustrante e muitas vezes injusta. Agora, há uma sensação tática. Você pode ouvir as sirenes se aproximando de ruas específicas, ver os drones de reconhecimento sobrevoando antes da chegada dos reforços terrestres. É um jogo de gato e rato onde você, como o rato (ou o Pac-Man), precisa aprender os padrões do labirinto urbano para sobreviver.

O Desafio de Modernizar um Clássico para um Mundo Aberto

Claro, transplantar a lógica de um jogo de labirinto 2D para um vasto mundo aberto 3D como Night City não foi tarefa simples. Os desenvolvedores tiveram que responder a perguntas complexas. Como os policiais se locomoveriam? De carro, moto, através de telhados? Como o sistema lidaria com a verticalidade da cidade, algo que Pac-Man nunca precisou considerar? A solução, segundo os relatos, foi criar "zonas de influência" e prioridades de patrulha, semelhantes aos quadrantes do labirinto original, mas adaptadas à complexidade tridimensional.

E aqui está um ponto interessante: essa inspiração vai além da pura mecânica. Há um tema narrativo em comum. Tanto Pac-Man quanto V, o protagonista de Cyberpunk, são figuras solitárias sendo caçadas por um sistema implacável. Um pelo seu apetite insaciável por pontos, o outro pela sua sobrevivência em uma cidade que consome seus habitantes. A sensação de estar sendo encurralado, de buscar um power-up (ou, no caso de Cyberpunk, uma arma melhor ou um hack devastador) para virar o jogo, é uma emoção central que ambos os jogos compartilham.

O que essa história nos mostra é que as boas ideias em design de jogos são atemporais. Enquanto a indústria corre atrás de gráficos com ray tracing e mundos cada vez maiores, às vezes a resposta para um problema de design moderno está guardada em um código de 40 anos atrás. A elegância simples de Pac-Man – sua clareza de regras, sua curva de aprendizado justa – serviu como um farol para consertar um dos aspectos mais criticados de um titã AAA. É um lembrete humilde de que, independentemente do orçamento ou da tecnologia, no coração de todo grande jogo está uma mecânica sólida e compreensível. E talvez, da próxima vez que você estiver fugindo da Max-Tac nos becos de Night City, você sorria ao lembrar que, de certa forma, está revivendo uma corrida clássica através de um labirinto, só que com muito mais cromo e neon.

Mas vamos mergulhar um pouco mais nessa mecânica, porque a implementação é mais matizada do que parece. A equipe da CDPR não copiou os padrões dos fantasmas literalmente, é claro. Em vez disso, eles pegaram a filosofia por trás deles: a ideia de que a tensão vem da previsibilidade relativa, não da aleatoriedade pura. Em Pac-Man, um jogador experiente sabe que o Blinky (o fantasma vermelho) é o perseguidor mais agressivo, enquanto o Clyde (o laranja) tem um comportamento mais errático e imprevisível. Essa personalidade algorítmica foi traduzida para os diferentes tipos de unidades policiais de Night City.

Pense nos policiais comuns do NCPD como o Pinky ou o Inky – seguem protocolos, tentam flanquear, mas são relativamente previsíveis em sua abordagem. Já a unidade de elite Max-Tac? Ah, essa é a encarnação digital do Blinky. Eles são implacáveis, coordenados e sua lógica de perseguição é muito mais direta e agressiva. A escalada de força não é apenas sobre números, mas sobre a mudança no "comportamento de fantasma" do sistema. É brilhante, quando você para para analisar.

O Labirinto é a Cidade: Aproveitando o Cenário

Outro aspecto fascinante dessa inspiração é como ela força o jogador a interagir com o ambiente de uma nova maneira. Em Pac-Man, a sobrevivência depende de conhecer cada curva do labirinto, cada túnel de teletransporte. Em Cyberpunk 2077, com o novo sistema, fugir cegamente por uma avenida larga é uma sentença de morte. De repente, aqueles becos apertados, os pátios internos de megaprédios e os telhados interconectados ganham um valor estratégico imenso. Eles são os túneis de Night City.

Eu me lembro de uma perseguição particularmente intensa no distrito de Watson. Em vez de correr para o carro, entrei em um restaurante abandonado, subi por uma escada de serviço até o telhado, e atravessei uma série de placas de publicidade até chegar a um beco paralelo. A polícia, seguindo seus "padrões de labirinto", continuou a busca pela rua principal e pelas entradas do restaurante, enquanto eu escapava silenciosamente pelo alto. Foi uma sensação de realização pura, um momento de "eu venci o sistema" que é exatamente o que Pac-Man proporciona quando você engana um fantasma para entrar em um túnel.

Isso levanta uma questão interessante sobre design de mundo aberto: de que adianta criar uma cidade vertical e densamente detalhada se a jogabilidade não incentiva o jogador a explorar essa complexidade? A antiga perseguição policial, com seus spawns mágicos, anulava a geografia de Night City. A nova, inspirada em Pac-Man, a celebra. A cidade finalmente se comporta como um cenário, não apenas como um pano de fundo bonito.

Para Além da Perseguição: Uma Filosofia de Design

O que talvez seja mais inspirador nessa história toda é o que ela diz sobre o processo criativo na indústria de jogos. Em uma era obcecada por inovação e tecnologia de ponta, é fácil esquecer as lições fundamentais que jogos mais antigos dominavam. A equipe da CDPR demonstrou uma humildade intelectual rara ao buscar a solução para um problema moderníssimo – a IA em mundos abertos – em um jogo de 1980. Eles não estavam procurando por código para copiar, mas por princípios de design para reinterpretar.

E isso me faz pensar: quantos outros "problemas" modernos em jogos poderiam ter soluções escondidas nos clássicos? A frustração com sistemas de crafting excessivamente complexos poderia ser aliviada olhando para a elegância simples de um Legend of Zelda original? A confusão em interfaces de RPG massivas poderia ser simplificada com a clareza de um menu de Chrono Trigger? A lição de Cyberpunk 2077 e Pac-Man é que a evolução nem sempre significa olhar apenas para frente. Às vezes, é preciso fazer uma arqueologia digital.

Claro, a implementação não é perfeita. Alguns jogadores ainda reclamam que a polícia pode ser muito "grudenta" em certas situações, ou que a transição entre os níveis de alerta às vezes é abrupta. Mas esses são problemas de ajuste fino, de balanceamento. O alicerce – a ideia de transformar a cidade em um labirinto dinâmico com "fantasmas" policiais com comportamentos distintos – é sólido e, mais importante, divertido de se engajar. Cria histórias. Cria aqueles momentos de puro pânico e triunfo tático que são a razão de jogarmos.

E então, fica a pergunta: essa abordagem poderia ser aplicada a outros sistemas do jogo? E se as gangues de Night City, como os Maelstrom ou os Tyger Claws, operassem com lógicas de "fantasma" diferentes baseadas em seu território e ethos? Um jogador aprenderia que os Valentinos patrulham de carro de forma organizada, enquanto os Voodoo Boys raramente são vistos nas ruas, preferindo tecer seus ataques a partir da rede. O potencial para aprofundar a imersão e a jogabilidade estratégica é enorme. A inspiração em Pac-Man pode ter começado com a polícia, mas seu verdadeiro legado pode ser uma nova forma de pensar sobre todos os sistemas de IA de um mundo aberto.

Com informações do: IGN Brasil