Dan Houser, cofundador da Rockstar Games e mente por trás de algumas das narrativas mais icônicas da indústria de jogos, recentemente compartilhou uma perspectiva que muitos desenvolvedores provavelmente reconhecem, mas poucos expressam publicamente. Em uma entrevista reveladora, ele alertou sobre os riscos de uma indústria que se concentra excessivamente no aspecto financeiro, sugerindo que essa mentalidade pode comprometer a inovação e a criatividade que tornaram os jogos tão especiais.

Cofundador da Rockstar alerta sobre foco excessivo da indústria em dinheiro

Os dois caminhos da indústria de games

Houser, que escreveu os principais capítulos de Grand Theft Auto, apresentou uma visão dicotômica do futuro dos jogos. "Eles podem ir — você sabe, como todas as coisas — podem ir a algum lugar realmente interessante, ou para outro que se foca excessivamente em fazer dinheiro", observou durante sua participação no programa Sunday Brunch.

E essa não é apenas uma preocupação teórica. Na minha experiência acompanhando a indústria, vejo como essa tensão entre arte e comércio se manifesta diariamente. "Eu acredito que sempre existe esse risco com qualquer forma de arte comercial, que eles se distraiam com o dinheiro", explicou o cofundador da Rockstar Games. Mas ele mantém um otimismo cauteloso: "Ainda há uma grande cena criativa para fazer esses tipos de coisas que são experiências narrativas".

O que me surpreende é como essa discussão ecoa conversas que tive com desenvolvedores independentes em eventos como a Game Developers Conference. Muitos expressam essa mesma preocupação — que a busca incessante por retorno financeiro está, aos poucos, sufocando a experimentação que tornou os jogos uma forma de arte tão vibrante.

A coexistência paradoxal

Apesar de seu alerta inicial, Houser apresentou uma visão mais matizada quando pressionado sobre qual caminho considerava o "vencedor". "Eu acredito que ambos vão vencer", declarou, sugerindo que os dois modelos podem coexistir. "Eu acredito que haverá dois caminhos. Meio que já vimos isso em espaços dentro da indústria onde os dois meio que vencem".

Cofundador da Rockstar alerta sobre foco excessivo da indústria em dinheiro

E ele tem um ponto. Enquanto o segmento considerado Triplo A tem investido cada vez mais em jogos de alto orçamento com atualizações frequentes — uma estratégia clara para manter engajamento e vendas em alta —, projetos menores ainda encontram seu espaço. Títulos como Peak e Clair Obscur: Expedition 33, este último um forte concorrente ao prêmio de Jogo do Ano no The Game Awards, demonstram que a criatividade ainda encontra seu público.

Mas aqui está a contradição que me deixa pensativo: será que essa coexistência é realmente equilibrada? O que Houser não menciona explicitamente é que o financiamento para jogos menores tem diminuído em tempos recentes. Com a retração do mercado após a expansão pandêmica, investidores de risco têm se afastado e preferido direcionar recursos justamente para projetos grandes com retornos mais previsíveis.

O equilíbrio precário entre arte e negócio

O que torna a perspectiva de Houser particularmente interessante é que vem de alguém que navegou com sucesso em ambos os mundos. A Rockstar criou franquias que são tanto obras de arte narrativas quanto máquinas de fazer dinheiro. Mas será que esse modelo ainda é sustentável para a próxima geração de desenvolvedores?

Lembro de conversar com um desenvolvedor independente que me confessou: "Cada vez que recebo um pitch de investidor, sinto que estou sendo forçado a escolher entre fazer o jogo que quero fazer e o jogo que vai vender". Essa tensão parece estar se intensificando conforme a indústria amadurece.

E há outro aspecto que frequentemente passa despercebido nessa discussão: o impacto nas equipes de desenvolvimento. Quando o foco se desloca excessivamente para métricas financeiras, como isso afeta a cultura dos estúdios? Como influencia as decisões criativas do dia a dia? São questões que permanecem abertas para debate, mas que certamente moldarão o futuro dos jogos que amamos.

O impacto nas narrativas e na diversidade criativa

Quando você para para pensar, essa pressão financeira não afeta apenas os tipos de jogos que são produzidos, mas também como as histórias são contadas. Houser, sendo um dos escritores mais respeitados da indústria, deve sentir isso na pele. Jogos que seguem fórmulas testadas e aprovadas pelo mercado muitas vezes acabam sacrificando a originalidade narrativa em nome do apelo comercial.

E não é difícil encontrar exemplos. Quantas vezes você já jogou um título que parecia mais preocupado em incluir mecânicas que prolongam o tempo de jogo — aquelas side quests repetitivas, sistemas de crafting desnecessariamente complexos — do que em oferecer uma experiência coesa e significativa? Na minha opinião, essa é uma das consequências mais visíveis do foco excessivo em métricas de engajamento.

O que me preocupa é como isso pode estar limitando a diversidade de vozes na indústria. Desenvolvedores com ideias genuinamente inovadoras, mas que não se encaixam em modelos de negócio comprovados, enfrentam dificuldades cada vez maiores para conseguir financiamento. Conversei recentemente com um pequeno estúdio que estava desenvolvendo um jogo narrativo experimental, e eles me contaram que praticamente todos os publishers pediram para "adicionar elementos de live service" ou "considerar microtransações".

A bolha dos orçamentos inflacionados

Outro aspecto que Houser toca indiretamente é a espiral de custos que estamos testemunhando no segmento AAA. Os orçamentos de produção atingiram níveis estratosféricos — alguns títulos ultrapassam facilmente a marca de US$ 200 milhões — criando uma pressão quase insustentável por retorno financeiro.

E o que acontece quando você investe tanto dinheiro em um projeto? Naturalmente, o risco aversão toma conta. Decisões criativas arriscadas são descartadas em favor do seguro, do que já funcionou antes. É por isso que vemos tantas sequências, remakes e reboots — são apostas mais seguras do que ideias completamente originais.

Mas aqui está uma ironia interessante: alguns dos jogos mais lucrativos dos últimos anos foram justamente aqueles que quebraram paradigmas e assumiram riscos criativos. Baldur's Gate 3, por exemplo, provou que há um mercado enorme para RPGs complexos e narrativamente densos, mesmo em uma era dominada por jogos casuais e mobile. Será que as grandes publishers estão aprendendo a lição errada?

O papel dos jogadores nessa equação

Raramente discutimos como nós, jogadores, contribuímos para essa dinâmica. Quando priorizamos gráficos ultrarrealistas e centenas de horas de conteúdo acima de experiências bem polidas e narrativas coesas, estamos enviando uma mensagem clara para o mercado. As expectativas dos fãs se tornaram parte do problema — ou da solução, dependendo de como você olha.

Lembro de uma conversa com um produtor que me confessou: "Cada vez que leio comentários reclamando que um jogo 'só' tem 20 horas de campanha, sinto que estamos alimentando uma cultura insustentável". E ele tem razão. Essa demanda por "valor" quantificado em horas de jogo, muitas vezes à custa da qualidade, cria incentivos perversos para os desenvolvedores.

Mas há esperança. O sucesso de jogos indie como Hades 2 e Animal Well mostra que o público ainda valoriza experiências bem executadas, independentemente do escopo ou orçamento. E plataformas como Steam e outras lojas digitais democratizaram o acesso, permitindo que títulos menores encontrem seu público sem a necessidade de campanhas de marketing milionárias.

O futuro da criatividade em meio à consolidação corporativa

Um fator que Houser não explorou profundamente, mas que merece atenção, é o impacto das aquisições corporativas na cultura criativa dos estúdios. Com a consolidação acelerada do mercado — Microsoft comprando Activision, Embracer Group adquirindo múltiplos estúdios —, como isso afeta a capacidade de desenvolvedores de tomar riscos criativos?

Na minha experiência, quando estúdios independentes são adquiridos por conglomerados, há quase sempre uma mudança gradual na cultura. Processos burocráticos se multiplicam, métricas de desempenho financeiro ganham precedência sobre considerações artísticas, e a tolerância para experimentação diminui. Não é uma regra absoluta, mas é um padrão que observei repetidas vezes.

E o que dizer dos estúdios que resistem a essa tendência? Empresas como Devolver Digital e Annapurna Interactive provaram que é possível construir modelos de negócio que priorizam a diversidade criativa enquanto permanecem financeiramente viáveis. Talvez a resposta não esteja em rejeitar completamente o aspecto comercial, mas em redefinir o que significa sucesso nesse contexto.

O que me deixa otimista, paradoxalmente, é a própria resistência humana à homogenização. Sempre haverá desenvolvedores dispostos a arriscar, a criar algo genuinamente novo, mesmo que as condições não sejam ideais. E sempre haverá jogadores famintos por essas experiências. A questão é: conseguiremos construir estruturas que sustentem essa criatividade, ou deixaremos ela definhar sob o peso das expectativas financeiras?

Com informações do: Adrenaline