Um grupo australiano antipornografia está causando polêmica no mundo dos jogos digitais. O Collective Shout, responsável por uma campanha que resultou no banimento e censura de diversos títulos no Steam e Itch.io, admitiu publicamente que não se importa se os jogos que ataca violam ou não leis existentes. Em entrevista ao site TweakTown, a líder do grupo, Caitlin Roper, revelou que seu objetivo vai além da legalidade - ela quer combater o que considera "objetificação sexual e exploração de mulheres e garotas" em qualquer contexto.

Metas além da legalidade
O que mais preocupa desenvolvedores e entusiastas de jogos é a postura absolutista do Collective Shout. Roper deixou claro que o grupo pretende remover qualquer jogo que considere ofensivo, mesmo aqueles que não violam nenhuma lei. E não faz diferença se o conteúdo foi desenvolvido por mulheres ou homens - o critério é puramente subjetivo, baseado no que o grupo considera inadequado.
Quando questionada sobre jogos removidos erroneamente das plataformas, Roper foi taxativa: não é problema deles. "Eu diria que, se o Steam e a Itch.io estivessem moderando suas plataformas como deveriam estar, não haveria necessidade de desalistar temporariamente games", argumentou. Essa posição transfere toda a responsabilidade para as plataformas, enquanto o grupo continua sua campanha de pressão.
Negando a censura e atacando críticos
Curiosamente, o Collective Shout não vê suas ações como censura. Roper defende que a remoção de "jogos com estupro" do Steam e outras plataformas não é violação de direitos individuais, mas apenas "um pequeno inconveniente". Ela chega a desafiar críticos: "Eu gostaria de pedir que aqueles que veem a perda de seus jogos de estupro como censura para considerar se eles estão preocupados com os direitos humanos básicos".
Mas o que realmente assusta é a reação do grupo às críticas. Nas redes sociais, eles se mostram completamente fechados ao diálogo, classificando todos que questionam seus métodos como "jogadores pedófilos com o cérebro apodrecido pela pornografia". Essa postura agressiva e generalista preocupa especialistas em liberdade de expressão digital.
Precedentes perigosos e alvos amplos
Yoko Taro, criador de Nier, expressou preocupação com a situação. Ele alerta que o controle sobre processadores de pagamento pode levar à censura transnacional: "Isso significa que, ao controlar as companhias de processamento de pagamentos, você pode até mesmo censurar o direito à liberdade de expressão de outro país".
O Collective Shout não se limita a jogos. O grupo já fez campanhas contra Tumblr, OnlyFans e outras plataformas. Seus membros argumentam que esses serviços não empoderam mulheres, mas as colocam em posições vulneráveis que facilitam abusos e exploração. A questão que fica é: onde termina a proteção legítima e começa o moralismo imposto?
Fonte: PC Gamer, Collective Shout
O impacto real nos desenvolvedores independentes
Enquanto o debate teórico sobre censura e moralidade continua, desenvolvedores independentes já sentem os efeitos práticos dessa campanha. Muitos títulos, especialmente de horror psicológico e narrativas maduras, foram removidos sem aviso prévio. E o pior? Sem direito a defesa ou recurso. Imagine dedicar anos de trabalho e recursos limitados em um projeto, apenas para vê-lo sumir das plataformas porque um grupo decidiu que seu conteúdo era "inadequado".
Alguns criadores relataram perdas financeiras significativas. Um desenvolvedor, que preferiu não se identificar, compartilhou comigo que seu jogo - que explorava temas delicados de trauma de forma artística - foi removido do Itch.io após a campanha do Collective Shout. "Não havia nada ilegal ali, apenas uma história difícil que algumas pessoas poderiam achar desconfortável. Mas e daí? Arte deveria nos fazer pensar, não apenas entreter", desabafou.
A seletividade questionável dos critérios
O que me deixa perplexo é a inconsistência dos alvos. Enquanto o Collective Shout foca em jogos independentes com orçamentos mínimos, grandes estúdios continuam lançando títulos triple-A com conteúdo igualmente explícito - mas esses parecem imunes às campanhas. Por que? Será que há um viés contra produções menores que não podem se defender?
Um exemplo notável: vários jogos com temática LGBTQ+ foram removidos, enquanto franquias mainstream com violência gráfica permanecem intactas. Essa seletividade levanta questões importantes sobre possíveis preconceitos embutidos na seleção de alvos. Afinal, por que certos tipos de conteúdo são considerados "problemáticos" enquanto outros, igualmente intensos, recebem passe livre?
E aqui vai uma reflexão: se começarmos a censurar representações fictícias de temas difíceis, não estamos apenas empobrecendo a diversidade narrativa dos games, mas também fechando portas para discussões importantes que poderiam surgir através dessas experiências interativas?
O silêncio preocupante das plataformas
Steam e Itch.io mantêm um silêncio ensurdecedor sobre seus critérios de moderação. Essa falta de transparência cria um ambiente onde desenvolvedores não sabem o que esperar. Um dia seu jogo está lá, no outro desaparece - sem explicações claras ou processo de apelação transparente.
Pior ainda: as plataformas parecem estar cedendo à pressão sem analisar cada caso individualmente. É mais fácil remover conteúdo potencialmente controverso do que defender a diversidade criativa. Essa postura corporativa covete preocupa mais do que o próprio Collective Shout, porque estabelece um precedente perigoso onde qualquer grupo barulhento pode ditar o que milhões de usuários podem ou não acessar.
E você, já parou para pensar como seria se every grupo de interesse começasse a fazer o mesmo? Ambientalistas exigindo remoção de jogos com caça, religiosos pedindo banimento de títulos com magia, ativistas contra games com qualquer forma de violência... Onde traçaríamos a linha?
O paradoxo da proteção versus paternalismo
O Collective Shout se apresenta como protetor de mulheres e garotas, mas será que essa abordagem realmente empodera ou simplesmente infantiliza? Ao decidir o que adultos podem consumir, o grupo assume uma posição paternalista que nega a capacidade de escolha consciente. Não estou defendendo conteúdo realmente prejudicial, mas questionando quem deve ter o direito de decidir o que é apropriado para cada pessoa.
Curiosamente, muitas desenvolvedoras mulheres estão entre as críticas mais vocalas das campanhas do grupo. Elas argumentam que criar personagens femininas complexas - incluindo aquelas com sexualidade agency - é parte importante da representação diversa. "Querem nos 'proteger' tanto que acabam nos silenciando", comentou uma designer que trabalha em narrativas maduras.
E há outro aspecto: a classificação etária existe exatamente para orientar consumidores sobre conteúdo apropriado. Se adultos consentem em experienciar narrativas complexas, por que um grupo externo deveria impedi-los? Essa mentalidade de "nós sabemos o que é melhor para você" me parece perigosamente próxima de autoritarismo disfarçado de proteção.
Fonte: Games Industry, Indie Game Dev Network
Com informações do: Adrenaline