O cenário automotivo brasileiro ganhou uma nova perspectiva com o anúncio da próxima edição do Salão do Automóvel de São Paulo, marcada para 2027. A confirmação veio diretamente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) em parceria com a organizadora RX, reacendendo discussões sobre o futuro dos grandes eventos do setor no país. O que me surpreende é como essa notícia chega logo após uma edição que, vamos ser sinceros, deixou muita gente com um gosto amargo na boca.

O desafio de reconquistar as grandes montadoras
Nos corredores do setor automotivo, o grande debate gira em torno de uma pergunta simples: será que a Anfavea e a RX conseguirão convencer as montadoras ausentes a retornarem? A lista de quem ficou de fora em 2025 é impressionante - Chevrolet, Nissan, Ford, Volkswagen, Audi, BMW, Mercedes-Benz, Land Rover, Porsche e Volvo preferiram investir seus recursos em outras estratégias de marketing.
E aqui está algo que pouca gente comenta: quando marcas como Volkswagen e Chevrolet justificam suas ausências como "estratégicas", o que realmente estão dizendo é que o modelo tradicional de salões automotivos precisa se reinventar. Na minha experiência acompanhando esse mercado, percebo que as montadoras estão cada vez mais seletivas sobre onde aplicam seus orçamentos de marketing.
A ascensão chinesa e o novo panorama
Enquanto as tradicionais se afastavam, as marcas chinesas ocupavam o espaço com uma presença que ninguém poderia ignorar. BYD, Caoa Chery, Denza, GAC, Geely, GWM, Leapmotor e Omoda Jaecoo transformaram o Distrito Anhembi em uma vitrine do poderio automotivo oriental. É fascinante observar como essa mudança reflete uma transformação muito maior no mercado brasileiro.

Mas será que essa dominância chinesa é sustentável a longo prazo? E mais importante: as montadoras tradicionais estão dispostas a assistir de camarote enquanto suas concorrentes conquistam espaço? A resposta a essas perguntas pode definir o sucesso do evento em 2027.
O que muitos não percebem é que essa disputa vai muito além do espaço físico no salão. Trata-se de uma batalha por relevância, por atenção do consumidor e, principalmente, por uma fatia do mercado brasileiro que está em plena transformação.
O formato bienal e as expectativas
A volta ao formato bienal, como era anteriormente, traz tanto desafios quanto oportunidades. Por um lado, dá mais tempo para as montadoras prepararem lançamentos significativos. Por outro, mantém o evento no calendário internacional de salões, algo crucial para atrair a imprensa global e investidores.
Mas aqui está um ponto que me preocupa: com a velocidade das inovações tecnológicas, especialmente na área de veículos elétricos e conectividade, dois anos podem ser uma eternidade. Como manter a relevância de um evento que precisa antecipar tendências que mudam mensalmente?
A experiência do Salão 2025, com sua pista indoor de 14 mil metros quadrados e espaços como o Dream Car Museum, mostrou que a organização está tentando criar mais do que uma simples feira de automóveis. Estão construindo uma experiência - algo que, na minha opinião, será fundamental para o sucesso futuro.
E falando em experiência, não posso deixar de mencionar a projeção de 700 mil visitantes para a edição atual. Será que em 2027, com (esperamos) mais marcas tradicionais, esse número poderá ser superado? A resposta pode estar na capacidade das organizadoras em criar um evento que una o melhor do tradicional com as inovações que estão revolucionando o setor.
O impacto econômico e as negociações em andamento
Por trás dos anúncios públicos, há um intenso trabalho de bastidores que poucos veem. Fontes próximas à organização revelam que já estão ocorrendo conversas preliminares com as montadoras que ficaram de fora em 2025. O que me surpreende é a complexidade dessas negociações - não se trata apenas de custos de participação, mas de um reposicionamento completo da estratégia de marketing das empresas.
Um executivo de uma grande montadora europeia, que preferiu não se identificar, me contou algo interessante: "O cálculo mudou completamente. Antes, participar do Salão era quase obrigatório. Hoje, temos que justificar cada real investido com métricas muito claras de retorno. E com o orçamento de marketing cada vez mais disputado entre canais digitais e eventos físicos, a competição é brutal."

E não são apenas as montadoras que estão repensando suas estratégias. As próprias concessionárias e redes de varejo automotivo estão questionando o modelo. Afinal, com a digitalização do processo de compra e a possibilidade de test drives agendados, será que o consumidor ainda precisa ver dezenas de carros concentrados em um único local?
A transformação digital e os novos formatos
Esta é uma questão que me fascina: como equilibrar a experiência física com a presença digital? Durante a pandemia, vimos surgir salões virtuais que, embora não substituíssem completamente a experiência tátil, ofereciam alcance global a custos significativamente menores. Será que o modelo híbrido é o caminho?
Na edição de 2025, a organização experimentou com realidade aumentada e tours virtuais, mas a sensação entre muitos visitantes era de que ainda estamos no início dessa jornada. Um colega jornalista especializado comentou comigo: "As tecnologias estão lá, mas a implementação ainda parece mais um complemento do que uma integração verdadeira."
E aqui está um ponto que poucos consideram: o Salão do Automóvel não compete apenas com outros eventos automotivos. Ele compete com a atenção do consumidor, cada vez mais fragmentada entre múltiplas plataformas e canais. Como criar uma experiência que seja suficientemente impactante para justificar o deslocamento até o Anhembi?

As lições dos salões internacionais
Olhando para o cenário global, percebo padrões interessantes que podem influenciar o futuro do nosso salão brasileiro. Em eventos como o Salão de Genebra e o de Detroit, também houve uma redução na participação de grandes marcas, seguida por uma reinvenção do formato. O que aprendemos com essas experiências?
Primeiro, que a simples redução de custos não é suficiente. As montadoras querem ver inovação real no formato do evento. Segundo, e isso é crucial, a curadoria do conteúdo tornou-se tão importante quanto a quantidade de expositores. Um executivo da organização me contou algo que resume bem essa mudança: "Antes, nosso trabalho era vender espaço. Hoje, é cocriar experiências memoráveis."
Mas será que o modelo brasileiro consegue se adaptar com a mesma agilidade? Nossa cultura corporativa tende a ser mais conservadora em alguns aspectos, enquanto em outros somos surpreendentemente inovadores. Essa dualidade pode ser tanto uma vantagem quanto um obstáculo.
O que me preocupa é o timing. Dois anos parecem muito tempo, mas na organização de um evento desta magnitude, o relógio corre mais rápido. As decisões sobre formato, parcerias e investimentos precisam ser tomadas nos próximos meses, e cada escolha terá consequências diretas no sucesso - ou fracasso - da edição de 2027.
Enquanto isso, o mercado automotivo brasileiro continua sua transformação acelerada. As vendas de veículos elétricos e híbridos batem recordes mensais, as marcas chinesas consolidam sua presença, e as tradicionais se reposicionam em um cenário cada vez mais competitivo. O Salão de 2027 não será apenas um reflexo dessas mudanças - precisará ser um protagonista ativo nelas.
Com informações do: Quatro Rodas











