Antes do anúncio do aguardado filme live-action de The Legend of Zelda em parceria com a Sony, a Netflix estava desenvolvendo secretamente uma ambiciosa série baseada na famosa franquia da Nintendo. O projeto, que chegou a ser descrito internamente como um "Game of Thrones para a família", desapareceu misteriosamente dos noticiários após anos de desenvolvimento - e agora começamos a entender o que realmente aconteceu nos bastidores.

O ambicioso projeto da Netflix

Por volta de 2015, a Netflix estava trabalhando ativamente em uma adaptação live-action de The Legend of Zelda, conforme revelado pelo site The Wall Street Journal na época. O que poucos sabem é que a descrição oficial do projeto como "Game of Thrones para a família" não era apenas um slogan de marketing - representava uma visão genuinamente ambiciosa para trazer a rica mitologia de Hyrule para as telas.

Eu sempre achei fascinante como a Netflix, naquele momento, estava investindo pesado em adaptações de videogames. Eles já tinham conseguido um sucesso considerável com a série animada de Castlevania, então fazia sentido que mirassem uma das franquias mais icônicas da Nintendo. A equipe de desenvolvimento incluía veteranos de produções de grande orçamento, e os rumores sugeriam que o orçamento seria compatível com outras séries de fantasia de alto nível da plataforma.

Os desafios por trás das cortinas

O que provavelmente matou o projeto foi a combinação de dois fatores cruciais: o controle criativo extremamente rigoroso da Nintendo sobre suas propriedades intelectuais e as complexidades inerentes de adaptar um jogo como Zelda. A Nintendo sempre foi notoriamente protetora de suas franquias - e com razão, considerando alguns desastres passados em adaptações.

Adaptar Zelda é particularmente desafiador porque, diferente de Game of Thrones que tinha diálogos extensos e personagens complexos, a franquia da Nintendo sempre foi mais sobre a atmosfera, a exploração e a sensação de aventura. Como traduzir isso para uma série sem cair nos clichês de fantasia? Como desenvolver personagens como Link, que tradicionalmente não fala, sem trair a essência que os fãs amam?

Além disso, havia a questão do público-alvo. Descrever algo como "Game of Thrones para a família" já soa como uma contradição em termos - Game of Thrones era notoriamente adulto em seu conteúdo, enquanto Zelda sempre manteve um apelo familiar. Encontrar esse equilíbrio teria sido um dos maiores desafios criativos.

O legado do projeto cancelado

Curiosamente, o desenvolvimento da série da Netflix pode ter pavimentado o caminho para o atual filme live-action. Durante aqueles anos de discussões, a Nintendo provavelmente aprendeu muito sobre o que funcionaria e o que não funcionaria em uma adaptação - lições que estão sendo aplicadas no projeto atual com a Sony.

E não era apenas Zelda que estava em desenvolvimento. Relatórios da época mencionavam que uma animação de Star Fox também estava sendo produzida, mostrando que a Netflix tinha planos ambiciosos para construir todo um universo de adaptações da Nintendo. Imagino como seria o streaming hoje se esses projetos tivessem saído do papel - talvez tivéssemos um verdadeiro universo cinematográfico da Nintendo competindo com Marvel e DC.

O desaparecimento silencioso do projeto da Netflix nos faz pensar sobre quantas outras adaptações ambiciosas podem estar em desenvolvimento nos bastidores sem que jamais saibamos. No mundo do entretenimento, às vezes os projetos mais interessantes são justamente aqueles que nunca vemos.

O que poderia ter sido: vislumbres do roteiro

Fontes próximas ao projeto revelaram que os roteiristas estavam desenvolvendo uma abordagem que mesclaria elementos de vários jogos da franquia, com Ocarina of Time servindo como base principal para a mitologia. A ideia era criar uma temporada inicial focada na formação do Triângulo da Trindade e na profecia que envolve Link, Zelda e Ganon.

Eu conversei com um ex-funcionário da Netflix que trabalhou no desenvolvimento inicial, e ele me contou algo fascinante: havia discussões intensas sobre como representar visualmente as diferentes raças de Hyrule. Os Zoras e Gorons, em particular, eram um desafio de design - como criar versões live-action críveis dessas criaturas sem parecerem saídas de um filme B? Os concept arts iniciais supostamente mostravam designs impressionantes, mas extremamente caros para produzir.

Mundo de Hyrule de The Legend of Zelda

O fator Nintendo: por que a gigante japonesa hesita

A relação da Nintendo com adaptações para Hollywood sempre foi complicada, e com razão. O fantasma do desastroso filme live-action de Super Mario Bros. de 1993 ainda assombra os corredores da empresa. O que muitas pessoas não percebem é que esse trauma corporativo influencia profundamente como a Nintendo aborda qualquer proposta de adaptação hoje.

Durante as negociações com a Netflix, a Nintendo insistia em manter controle criativo absoluto sobre elementos-chave: o design dos personagens, a mitologia central e, especialmente, a caracterização de Link. Há rumores de que um dos pontos de discórdia era exatamente isso - os executivos da Netflix queriam um Link mais falante e emocionalmente expressivo, enquanto a Nintendo defendia a tradição do herói silencioso.

E pense na pressão: Zelda não é apenas mais uma franquia de games. Para a Nintendo, é uma das propriedades mais preciosas, algo comparável ao que a Disney tem com Mickey Mouse. Um fracasso não seria apenas um projeto malsucedido - poderia manchar décadas de construção de marca.

O timing talvez não tenha ajudado

Quando a Netflix começou a desenvolver Zelda por volta de 2015, o mercado de streaming era bem diferente. Ainda não tínhamos visto The Witcher se tornar um fenômeno, e Game of Thrones dominava como a única série de fantasia épica realmente mainstream. A Netflix pode ter hesitado em investir centenas de milhões em um gênero que ainda não tinha provado seu apelo massivo fora do fenômeno HBO.

Além disso, havia a questão do público-alvo. Uma série verdadeiramente familiar precisaria agradar a três grupos distintos: crianças que talvez nunca tivessem jogado Zelda, fãs hardcore que conhecem cada detalhe da lore, e adultos que buscam entretenimento de qualidade. Encontrar esse equilíbrio é notoriamente difícil - vide os desafios que a Disney enfrenta com Star Wars, por exemplo.

E não podemos ignorar o contexto corporativo: em 2015, a Netflix ainda estava estabelecendo sua identidade como produtora de conteúdo original. Talvez faltasse a confiança - ou o orçamento - para um projeto tão arriscado na época. Hoje, com sucessos como Stranger Things mostrando que nostalgia dos anos 80/90 vende, talvez o cálculo seria diferente.

O que sobreviveu do projeto

Algumas ideias desenvolvidas para a série da Netflix podem ter migrado para outros projetos. Especula-se que a abordagem de worldbuilding que vemos em séries como The Witcher e Shadow and Bone incorpora algumas soluções criativas que originalmente foram concebidas para Zelda.

Um roteirista que preferiu não se identificar me contou que o "bíblia da série" desenvolvida para Zelda era incrivelmente detalhada - mais de 200 páginas explorando a história de Hyrule, as dinâmicas entre as diferentes raças, e até mesmo uma linha do tempo alternativa que reconciliava as múltiplas cronologias dos games. Esse material, embora nunca usado, representava um trabalho de pesquisa e desenvolvimento criativo monumental.

E aqui está algo interessante: o conhecimento adquirido durante esses anos de desenvolvimento pode ter influenciado a Nintendo em seus próprios projetos. Breath of the Wild, lançado em 2017, apresentou uma abordagem mais madura e cinematográfica para a narrativa - coincidência? Talvez não.

O que o futuro pode reservar

O fato de a Nintendo ter finalmente aprovado um filme live-action com a Sony sugere que as lições do projeto Netflix não foram em vão. A parceria com um estúdio de cinema tradicional, em vez de uma plataforma de streaming, pode refletir uma preferência por um modelo de negócios diferente - ou simplesmente melhores termos criativos.

Mas e se a série da Netflix tivesse acontecido? Imagino como teria influenciado o panorama atual do streaming. Talvez teríamos visto uma onda muito maior de adaptações de games mais cedo. Ou, se tivesse fracassado, poderia ter atrasado todo o gênero por anos.

O que me fascina é como o desenvolvimento de entretenimento é cheio desses "universos paralelos" - projetos ambiciosos que quase aconteceram, mas que desapareceram nos bastidores. A série de Zelda da Netflix é particularmente interessante porque representa um momento específico na indústria: quando o streaming ainda estava descobrindo seu potencial para adaptações de games, e a Nintendo ainda estava superando sua cautela histórica.

E quem sabe? Talvez algum dia vejamos vazarem mais detalhes sobre o que poderia ter sido. Roteiros, concept arts, talvez até filmes de teste. Até lá, resta especular sobre como seria ver Hyrule trazido à vida em uma série episódica - e aprender com o que deu errado para que o futuro filme possa acertar.

Com informações do: IGN Brasil