Em um movimento que pode redefinir a transição para a eletrificação, a Volkswagen estaria desenvolvendo uma versão híbrida de autonomia estendida (EREV) para a próxima geração do Polo. Segundo informações do site espanhol Motor.es, a marca alemã estaria trabalhando em segredo em um "plano B" tecnológico, preparando-se para um cenário onde os carros puramente elétricos não conquistem o mercado europeu como esperado. E o coração desse plano seria um motor de dois cilindros.

Um "plano B" para a eletrificação
A estratégia, descrita como um seguro contra a hesitação do consumidor, surge em um momento crucial. A Volkswagen planeja descontinuar os modelos Polo, T-Cross e Taigo (conhecido aqui como Nivus) a combustão até 2030. Mas e se o público não abraçar os elétricos na velocidade projetada? É aí que entra essa solução híbrida radicalmente diferente.
Diferente dos híbridos comuns ou plug-in que conhecemos, onde o motor a combustão pode tracionar as rodas, o sistema EREV (Extended-Range Electric Vehicle) mantém a tração 100% elétrica. O motor a gasolina funciona apenas como um gerador, operando em uma rotação fixa e eficiente para recarregar a bateria enquanto o carro está em movimento. É uma ideia que tenta oferecer a experiência de dirigir um elétrico – com resposta instantânea e silêncio – sem a ansiedade de autonomia.

O coração do projeto: motores compactos como geradores
O cerne do desenvolvimento são dois novos motores a combustão, projetados do zero para uma única função: gerar eletricidade. A publicação espanhola cita um propulsor 1.0 de dois cilindros, com cerca de 70 cv, e outro 1.5 de três cilindros, na casa dos 100 cv.
O motor menor, o 1.0 de dois cilindros, já estaria sendo testado em protótipos do futuro ID. Polo. A plataforma MEB Entry, base dos elétricos compactos do Grupo Volkswagen, permitiria instalar esse pequeno gerador na traseira do veículo. Mas aí reside um dos grandes desafios de engenharia. Inserir o motor e um tanque de combustível no pacote pode significar reduzir o tamanho da bateria principal. É um jogo de compensação: menos autonomia puramente elétrica em troca de uma autonomia total muito maior e da praticidade de abastecer em qualquer posto.
Na minha opinião, essa abordagem é fascinante porque reconhece um problema real. A infraestrutura de carregamento rápido ainda não é ubíqua, e para muitos motoristas, especialmente aqueles que não têm garagem, a logística de recarga é um obstáculo considerável. Um EREV elimina essa dor de cabeça para a maioria das viagens do dia a dia, usando a bateria, mas oferece a rede de postos de gasolina como rede de segurança para viagens longas.

Inspiração global e uma carta na manga
A Volkswagen não está inventando a roda. A movimentação de Wolfsburg parece ser uma resposta direta ao que está acontecendo no mercado e à concorrência. A marca chinesa Leapmotor, parceira da Stellantis, já vende modelos EREV com sucesso na Europa e acaba de chegar ao Brasil com o C10 REEV. Do outro lado, a Renault também iniciou testes com tecnologia similar, e a Nissan vende há anos o sistema e-Power, que segue a mesma filosofia.
O que isso nos diz? Que a indústria está longe de um consenso sobre o caminho ideal para a descarbonização. Enquanto alguns apostam todas as fichas na bateria pura, outros veem valor em uma ponte tecnológica mais suave. Para a Volkswagen, desenvolver essa tecnologia agora é como ter uma carta na manga. Se a aceitação dos elétricos puros for mais lenta que o esperado, a marca pode rapidamente adaptar o ID. Polo e o futuro ID. Cross, transformando-os em híbridos de autonomia estendida que convivem pacificamente com a infraestrutura de combustíveis que já temos.
É uma estratégia pragmática, quase cínica, mas que reflete as complexidades de uma transição de escala global. Afinal, será que o consumidor médio, aquele que compra um Polo, está realmente pronto para mudar completamente seus hábitos de "abastecimento"? A Volkswagen, ao que parece, não quer arriscar descobrir a resposta da maneira difícil.
Mas vamos pensar um pouco sobre o que isso significa na prática para quem está atrás do volante. Imagine um cenário: você usa o carro para ir ao trabalho, fazer compras, buscar os filhos na escola – trajetos que, somados, raramente ultrapassam 50 ou 60 km por dia. Com uma bateria de tamanho adequado, você faria tudo isso no modo 100% elétrico, carregando em casa à noite. O motor de dois cilindros? Ficaria completamente desligado, um peso morto e silencioso. A economia seria a de um elétrico puro.
No fim de semana, porém, você decide viajar para a praia, um percurso de 300 km. É aí que a mágica – ou melhor, a engenharia – acontece. Quando a carga da bateria atinge um nível baixo, o pequeno motor 1.0 aciona, funcionando em seu ponto de máxima eficiência. Ele não está conectado às rodas, então não há aquela sensação de "troca de marcha" ou ruído variável. Ele simplesmente gera eletricidade para alimentar o motor elétrico e, se sobrar, recarrega um pouco a bateria. Você para num posto, enche o tanque de 30 litros em 3 minutos e segue viagem. A ansiedade de range? Some.

Os desafios que vão além da engenharia
Claro, nem tudo são flores. Essa solução híbrida traz uma complexidade inerente. Você está basicamente colocando dois sistemas de propulsão em um carro que foi concebido para ter apenas um. Isso significa mais peças, mais peso, mais pontos potenciais de falha. O custo de produção, consequentemente, seria maior do que o de um carro a combustão tradicional, mas provavelmente menor do que o de um elétrico com uma bateria gigantesca para oferecer a mesma autonomia total.
E há a questão da regulamentação. Como a União Europeia classificaria um veículo desses? Como um elétrico de extensão de autonomia, com emissões próximas de zero nos trajetos urbanos, ou como um híbrido complexo? A taxação, os incentivos e até a permissão para circular em zonas de emissão zero das cidades dependeriam dessa definição. É um emaranhado burocrático que a indústria ainda está aprendendo a desvendar.
Na minha experiência, observando a adoção de tecnologias, percebo que o consumidor muitas vezes prioriza a convenência acima da pureza ideológica. O sucesso do Nissan Kicks e-Power no Brasil é um testemunho disso. As pessoas adoram a dirigibilidade suave e a resposta do motor elétrico, mas ficam aliviadas em saber que nunca vão precisar procurar um carregador. A Volkswagen pode estar de olho justamente nesse sentimento.
O que isso significa para o Polo e para o mercado brasileiro?
Aqui surge uma interrogação enorme. O Brasil, com sua matriz energética limpa e o domínio dos biocombustíveis, é um caso à parte. Se a VW desenvolver um motor 1.0 EREV, faria todo o sentido que ele fosse flex, capaz de rodar com etanol. Isso transformaria o veículo em uma máquina de baixíssimo carbono na prática, já que a eletricidade da bateria viria da rede (cada vez mais renovável) ou do etanol gerado pelo motor.
O Polo, sempre um termômetro do mercado popular no país, se tornaria então um produto tecnologicamente disruptivo. Ele não seria mais o carro "básico e confiável", mas um veículo de ponta, com tecnologia de propulsão mais complexa que muitos SUVs premium. Isso mudaria seu posicionamento e, inevitavelmente, seu preço. Será que o consumidor do Polo está disposto a pagar por essa tecnologia? Ou ela chegaria primeiro em modelos mais caros, como o T-Cross ou um futuro Nivus, para depois tricklar down?
E não podemos esquecer da concorrência. Se a VW avança com esse plano, é quase certo que outras montadoras com fortes presenças no segmento de compactos – Fiat, Chevrolet, Renault – teriam que responder. Podemos estar à beira de uma nova guerra de tecnologias verdes no segmento mais aquecido do mercado, onde cada grama de CO2 e cada centavo no preço final são decisivos.

O silêncio sobre esses desenvolvimentos por parte da Volkswagen é ensurdecedor. A marca oficialmente mantém o discurso focado na plataforma MEB e nos elétricos puros, como o ID.2all que deve dar origem ao novo Polo elétrico. Mas esses vazamentos persistentes para a imprensa especializada não são por acaso. Eles funcionam como um balão de ensaio, uma forma de medir a reação do público e da mídia sem comprometer a imagem de inovadora verde.
É frustrante, de certa forma, essa dualidade. Por um lado, queremos montadoras ousadas, que apostem no futuro elétrico. Por outro, é reconfortante saber que há engenheiros pragmáticos nos bastidores, criando planos B realistas que levam em conta a lentidão das mudanças de infraestrutura e de hábito. Afinal, a transição energética não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona. E talvez precisemos de mais de um tipo de tênis para completá-la.
O que você acha? Essa solução híbrida de gerador é um retrocesso tecnológico, um desvio desnecessário do caminho para os elétricos? Ou é a ponte inteligente e necessária que vai permitir que milhões de pessoas, não apenas os early adopters com garagem, participem da descarbonização do transporte? A resposta pode estar escondida nos galpões sigilosos da Volkswagen, dentro do capô de um protótipo do próximo Polo.
Com informações do: Quatro Rodas











