A montadora chinesa Neta, que enfrentou uma crise significativa em sua matriz e chegou a remover seu site e redes sociais do ar no Brasil, está dando sinais de recuperação. A marca anunciou planos para estabelecer uma rede de pós-venda no país e tem previsão de retomar a produção em sua fábrica de Tongxiang, na China, em janeiro de 2026. Esta movimentação ocorre em meio a um cenário onde o Brasil recebeu seis novas marcas de carros nas últimas duas semanas, intensificando a competição no mercado automotivo nacional.

Fábrica da Neta em Tongxiang

Reestruturação e novos investimentos

A recuperação da Neta tornou-se possível graças a novos investidores que evitaram a falência da Zhejiang Hozon New Energy Automobile, empresa detentora dos direitos da marca. A Hozon Auto entrou oficialmente em processo de recuperação judicial em junho de 2025, período em que sua fábrica permaneceu paralisada. Além do governo chinês, a Sensteed Hi-Tech Group emergiu como uma das principais empresas investidoras na Hozon.

O que me surpreende é como uma empresa que esteve tão próxima do colapso consegue se reerguer tão rapidamente. A estratégia parece ser transformar a Neta em uma marca que vá além dos veículos, expandindo para outros segmentos de produtos no futuro.

Panorama brasileiro e desafios

Atualmente, a Neta opera no Brasil com apenas uma concessionária localizada no Rio de Janeiro - a Neta Potenza. Sua administração está sediada na Avenida Paulista, em São Paulo, enquanto o centro de distribuição de peças fica em São Bernardo do Campo. Até outubro de 2025, a marca emplacou 163 unidades no país, divididas entre os modelos X (83 unidades) e Aya (80 unidades), sendo que parte dessas vendas foi destinada a empresas.

Um dos principais avanços que a marca promete para os próximos dias é a divulgação de uma lista de oficinas especializadas e homologadas para realizar revisões. E aqui está um ponto crucial: a Neta trouxe ao Brasil componentes mais complexos para reparação, incluindo módulos e sistemas ADAS. Também houve a homologação de mais veículos - ainda existe um estoque considerável na China aguardando distribuição.

Neta Aya é um dos modelos lançados no Brasil

Modelos disponíveis e especificações

O Neta Aya representa o modelo de entrada da marca, comercializado nas versões Comfort (R$ 143.900) e Luxury (R$ 149.900). Este SUV elétrico compacto mede 4,07 metros de comprimento e oferece 335 litros de capacidade no porta-malas. Equipado com motor elétrico de 95 cv e torque de 15,3 kgfm, consegue acelerar de 0 a 100 km/h em 12 segundos. Sua bateria de 40,7 kWh proporciona autonomia de 263 km segundo o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular.

Já o Neta X posiciona-se em uma categoria superior, com preços partindo de R$ 225.000 na versão 500 Comfort e R$ 235.000 na Luxury. Com dimensões mais generosas (4,61 metros de comprimento) e porta-malas de 508 litros, oferece potência máxima de 163 cv e torque de 21,4 kgfm. Sua aceleração de 0 a 100 km/h é realizada em 9,5 segundos, enquanto a bateria de 64,14 kWh garante autonomia de 317 km.

Neta X 500 Luxury

Em comunicado oficial, a Neta Auto do Brasil afirmou: "A equipe de gestão da Neta, na matriz, está atualmente concluindo um processo de reorganização liderado pelo governo chinês, o qual não impactará as atividades internacionais. Ressaltamos que a produção de veículos será retomada em breve, e o mercado brasileiro continuará sendo abastecido com novas unidades ainda em 2025."

A marca também reafirmou seu compromisso com o mercado brasileiro, reconhecendo o "enorme potencial e as amplas oportunidades de parceria e desenvolvimento tecnológico" no segmento de veículos elétricos. Os investimentos seguirão com "foco total na recuperação e expansão dos negócios", segundo a nota.

Estratégia de pós-venda e infraestrutura técnica

A implementação da rede de pós-venda representa um dos maiores desafios para qualquer marca nova no Brasil, especialmente para as chinesas que ainda precisam construir confiança no mercado. A Neta está trabalhando na criação de uma rede de assistência técnica que possa atender não apenas às revisões de rotina, mas também aos reparos mais complexos dos sistemas eletrônicos. E isso é fundamental - imagine comprar um carro elétrico e depois descobrir que não há quem conserte a bateria ou os sistemas de controle?

Na minha experiência acompanhando o mercado automotivo, vejo que muitas marcas subestimam a importância do pós-venda. A Neta parece estar tentando fazer diferente. Eles estão homologando oficinas independentes que possam realizar desde a manutenção básica até intervenções mais especializadas nos módulos de alta tensão e sistemas ADAS. O centro de distribuição de peças em São Bernardo do Campo será essencial para garantir a disponibilidade de componentes, algo que outras marcas chinesas demoraram para implementar adequadamente.

Interior do Neta Aya

Competição no mercado de elétricos acessíveis

O que me chamou atenção foi o posicionamento de preços da Neta. O Aya compete diretamente com outros elétricos compactos como o Caoa Chery iCar e o JAC E-JS1, mas oferece uma proposta ligeiramente diferente. Enquanto alguns concorrentes focam em preços mais baixos com autonomia reduzida, a Neta tenta equilibrar custo e desempenho. Será que essa estratégia vai funcionar?

O mercado brasileiro de elétricos está se tornando incrivelmente diversificado. Nos últimos meses, vimos chegadas de várias marcas chinesas, cada uma com sua própria abordagem. A BYD com seus preços agressivos, a GWM com modelos mais premium, e agora a Neta tentando encontrar seu espaço. O interessante é que cada uma parece estar segmentando o mercado de forma diferente, evitando competição direta em alguns casos.

E não podemos esquecer dos híbridos - modelos como o Toyota Corolla Cross Hybrid ainda dominam as vendas de veículos eletrificados no Brasil. Os consumidores parecem mais confortáveis com a tecnologia híbrida, talvez pelo medo da falta de infraestrutura de recarga ou pela preocupação com a durabilidade das baterias em longo prazo.

Desafios regulatórios e adaptação ao mercado brasileiro

A homologação de veículos no Brasil sempre foi um processo complexo, e para as marcas chinesas isso se torna ainda mais desafiador. A Neta precisou adaptar seus modelos às normas brasileiras, incluindo sistemas de segurança, emissões (mesmo sendo elétricos) e até mesmo a compatibilidade com nossos combustíveis - sim, mesmo os carros elétricos precisam de homologação para itens como o fluído de freio, que deve ser compatível com nossa umidade e temperaturas.

Outro ponto que muitas pessoas não consideram: a adaptação dos sistemas de assistência à direção para nossas condições de tráfego. Os sistemas ADAS desenvolvidos para a China ou Europa nem sempre funcionam adequadamente nas estradas brasileiras, com nossa sinalização diferente e condições de pavimento variadas. A Neta afirma que fez ajustes específicos para o Brasil, mas só o tempo dirá se esses sistemas realmente funcionarão como prometido.

E tem mais: a questão da conectividade. Muitos carros chineses chegam ao Brasil com sistemas de infotainment que não estão totalmente adaptados aos nossos aplicativos e serviços. A Neta prometeu integração com aplicativos populares no Brasil, mas até que ponto essa integração será completa? Será que os usuários conseguirão usar todos os recursos do carro sem limitações?

Perspectivas de expansão e novos modelos

Apesar dos desafios atuais, a Neta parece ter planos ambiciosos para o Brasil. Fontes dentro da empresa sugerem que mais modelos podem chegar ao mercado brasileiro uma vez que a situação na China se normalize. A marca tem uma linha relativamente extensa na China, incluindo sedãs e até mesmo um cupê esportivo elétrico.

O que me deixa curioso é como a marca vai equilibrar a chegada de novos modelos com a necessidade de consolidar a rede de vendas e pós-venda existente. Expandir muito rápido pode ser tão prejudicial quanto expandir muito devagar. E considerando os problemas financeiros recentes na matriz, será que terão capital suficiente para investir simultaneamente na recuperação da produção e na expansão internacional?

Outro aspecto interessante: a Neta está explorando parcerias com empresas brasileiras para desenvolver soluções específicas para nosso mercado. Há conversas sobre possíveis joint ventures para produção local de componentes ou até mesmo montagem de veículos no médio prazo. Isso poderia ser um divisor de águas, já que a localização reduziria custos e tornaria os veículos mais competitivos.

Mas aqui está a questão: com o governo chinês envolvido na reestruturação, até que ponto as decisões sobre expansão internacional serão baseadas em critérios puramente comerciais? Será que fatores políticos ou estratégicos podem influenciar os investimentos no Brasil? A experiência com outras marcas chinesas sugere que sim - os interesses do governo frequentemente se misturam com os objetivos empresariais.

Com informações do: Quatro Rodas