O sonho bilionário que virou pesadelo
Nos últimos anos, a indústria de games viveu obcecada por um único objetivo: replicar o sucesso financeiro de títulos como Fortnite e Genshin Impact. A receita? Transformar jogos em serviços - plataformas que mantêm jogadores engajados (e gastando) por meses ou anos.

Os números justificavam a obsessão: Genshin Impact arrecadou impressionantes US$ 5 bilhões em apenas três anos, enquanto Fortnite gerou sozinho 80% da receita da Epic Games em 2023. Diante desses casos, todas as grandes empresas correram para criar seu próprio jogo-serviço.
Mas a realidade mostrou-se bem mais cruel do que os sonhos dos executivos. Títulos como Anthem, Esquadrão Suicida e o recentemente adiado Marathon provam que o caminho para o sucesso nesse modelo está repleto de armadilhas.
O que deu errado?

A primeira grande questão é simples: espaço. Enquanto um jogador pode ter dezenas de títulos singleplayer em sua biblioteca, raramente ele consegue se dedicar a mais de um jogo-serviço ao mesmo tempo. O tempo e o orçamento simplesmente não permitem.
"É como tentar assistir a várias séries simultaneamente na TV", explica um desenvolvedor que preferiu não se identificar. "Você até pode, mas acaba não acompanhando direito nenhuma delas."
Além disso, jogos como serviço exigem:
Atualizações constantes para manter o interesse
Equipes dedicadas trabalhando 24/7
Investimento pesado em marketing para atrair jogadores
Conteúdo novo regularmente
E quando um desses elementos falha, o jogo rapidamente perde sua base de jogadores - e com ela, sua receita.
Os sobreviventes

Alguns jogos, no entanto, conseguiram escapar dessa armadilha. Helldivers 2, Path of Exile e Warframe são exemplos de títulos que entenderam como manter comunidades engajadas sem esgotá-las.
O segredo? Não tratar os jogadores apenas como carteiras ambulantes. Helldivers 2, por exemplo, criou uma relação única com sua base, chegando a doar para uma ONG quando os jogadores escolheram salvar crianças virtuais no jogo.
Outros fatores comuns aos sobreviventes:
Modelos de monetização menos agressivos
Eventos que realmente agregam valor
Transparência com a comunidade
Respeito ao tempo dos jogadores
O que vem pela frente?

Com tantos fracassos recentes, as editoras começam a repensar suas estratégias. A Sony, que investiu pesado nesse modelo com a compra da Bungie, agora enfrenta dilemas sobre como proceder após o adiamento de Marathon.
Enquanto isso, movimentos como o Stop Killing Games mostram que os jogadores estão cada vez menos dispostos a aceitar o fechamento de títulos nos quais investiram tempo e dinheiro.
Será que estamos vendo o início do fim da era dos jogos como serviço? Ou apenas uma correção de curso para um modelo que veio para ficar, mas precisa ser repensado?
O impacto nos estúdios e desenvolvedores
Por trás de cada jogo-serviço fracassado, há uma equipe exausta e, muitas vezes, desiludida. Relatos de crunch (trabalho excessivo) são comuns nesses projetos, que exigem manutenção constante. Um ex-funcionário da Bungie descreveu a produção de Marathon como "um ciclo interminável de retrabalho", com mecânicas sendo refeitas semanas antes de apresentações importantes.
E os efeitos vão além do cansaço. Estúdios menores que apostaram nesse modelo e falharam estão sendo fechados ou absorvidos. A Embracer Group, por exemplo, encerrou vários estúdios após o fracasso de seus jogos como serviço, mostrando como o risco financeiro é enorme para quem não está no topo.
Os jogadores estão cansados?

Nas comunidades online, o sentimento contra jogos como serviço nunca foi tão forte. Pesquisas informais mostram que:
72% dos jogadores preferem experiências completas no lançamento
68% se sentem "explorados" por passes de batalha e microtransações
Apenas 12% continuam jogando um título como serviço após 6 meses
"Estamos vendo uma reação natural", analisa a pesquisadora de games Marina Silva. "Depois de anos sendo tratados como fontes de receita recorrente, os jogadores estão redescobrindo o prazer em experiências únicas e bem finalizadas."
Esse cansaço se reflete nas vendas. Enquanto jogos single-player como Baldur's Gate 3 e Elden Ring batem recordes, lançamentos de serviço como Concord mal conseguem manter 1.000 jogadores ativos após o primeiro mês.
Alternativas que estão surgindo
Algumas empresas estão testando modelos híbridos interessantes:
Expansões premium - Como em Destiny 2, mas com mais conteúdo substancial
Modos serviço dentro de jogos tradicionais - O sucesso do GTA Online mostra que é possível ter o melhor dos dois mundos
Jogos como plataforma - Roblox e Fortnite criando ecossistemas para outros criadores
Outra tendência é o "jogo como serviço light" - títulos como Palworld que oferecem atualizações ocasionais sem a pressão constante de engajamento. "É um meio-termo que parece estar funcionando", observa o analista de mercado Carlos Mendes.
O papel das assinaturas

Com a popularidade do Xbox Game Pass e PlayStation Plus, surge uma questão: será que os jogos como serviço migrarão para dentro dessas plataformas? Alguns especialistas acreditam que as assinaturas podem ser a salvação para jogos menores nesse modelo, oferecendo um público garantido sem a necessidade de marketing agressivo.
Mas há riscos. A Microsoft já demonstrou dificuldades em manter jogadores engajados em títulos como Redfall mesmo dentro do Game Pass. E a Sony enfrenta críticas por colocar jogos completos como Helldivers 2 no serviço no dia do lançamento - o que pode canibalizar vendas.
Enquanto isso, a Nintendo mantém sua estratégia cautelosa, focando em experiências premium sem pressa para entrar nesse mercado. Será que estão certos em esperar?
Com informações do: Adrenaline