Em um movimento estratégico revelado a investidores, a Capcom demonstrou que seus olhos estão voltados para além dos gigantes Resident Evil e Street Fighter. A empresa japonesa, conhecida por seu portfólio repleto de franquias icônicas, anunciou planos ambiciosos para transformar três de suas séries mais queridas – Mega Man, Devil May Cry e Ace Attorney – em "IPs centrais", colocando-as no mesmo pedestal de vendas e relevância de seus maiores campeões. Mas será que essa é uma meta realista, ou um desejo corporativo distante da realidade dos fãs?

Imagem promocional de um jogo da série Resident Evil

O documento, que traça o roteiro de crescimento da empresa, é claro ao definir a hierarquia atual. Resident Evil, Monster Hunter e Street Fighter são, sem sombra de dúvida, as estrelas absolutas, os pilares que sustentam os resultados financeiros. A Capcom reconhece, no entanto, que depender apenas desse trio pode ser um risco a longo prazo. E é aí que entra o plano de diversificação. A ideia não é abandonar os sucessos, mas sim construir novos.

O Caminho para se Tornar uma "IP Central"

Mas o que, exatamente, a Capcom pretende fazer para elevar o status dessas franquias? O plano parece ser multifacetado. O relatório menciona especificamente "novos lançamentos, remakes e ports de títulos dessas séries para novo hardware". Isso sugere uma abordagem que vai desde alimentar a base de fãs existente com conteúdo clássico remasterizado até arriscar em novas entradas principais que possam atrair um público mais amplo.

Pense no caso de Devil May Cry 5. O jogo foi um sucesso de crítica e vendas, provando que a série ainda tem um apelo enorme. Uma sequência ou um remake de um título clássico da saga parecem passos lógicos. Já para Ace Attorney, cujo apelo é mais nichado, a estratégia pode envolver ports para todas as plataformas modernas e talvez uma reinvenção na forma de contar histórias. E o Mega Man? Bom, depois do sucesso do Mega Man 11, a pergunta que fica é: por que esperaram tanto?

Cena de ação do jogo Devil May Cry 5

É interessante notar que a empresa também está investindo pesado em infraestrutura, com uma nova instalação de desenvolvimento prevista para 2027. Isso indica que o aumento no ritmo de lançamentos – de 2-3 títulos grandes por ano para mais – é uma meta concreta. Ter mais estúdios e equipes pode ser a chave para dar a atenção necessária a essas franquias "em ascensão" sem negligenciar as já estabelecidas.

A Fria Realidade dos Números

Por mais empolgante que seja a notícia para os fãs, é preciso encarar a disparidade colossal nas vendas. Os números falam por si só e pintam um desafio hercúleo para a Capcom.

Vamos colocar as coisas em perspectiva? Resident Evil, nascido em 1996, já vendeu impressionantes 170 milhões de unidades. Monster Hunter (2004) acumula 120 milhões. Street Fighter, a veterana de 1987, tem 56 milhões. Do outro lado, temos Mega Man, que também começou em 87 e chegou a 43 milhões – um número respeitável, mas ainda distante. Devil May Cry, desde 2001, vendeu 33 milhões. E Ace Attorney, iniciado no mesmo ano, está em 13 milhões.

A diferença é abismal. Transformar Ace Attorney, uma série de aventura visual e investigação, em um fenômeno de vendas como Resident Evil exigiria não apenas qualidade, mas uma mudança quase radical na forma como o jogo é concebido e comercializado. Talvez o caminho não seja replicar o sucesso de um, mas encontrar uma nova fórmula de sucesso para o outro. Afinal, nem todo jogo precisa vender 10 milhões de cópias para ser considerado um pilar valioso de uma empresa – mas, pelo visto, para a Capcom, essa parece ser a régua.

O que me deixa curioso é: essa pressão por números recordes pode, paradoxalmente, sufocar a identidade que tornou essas séries especiais em primeiro lugar? Um Devil May Cry excessivamente focado em apelo massivo pode perder a alma característica? Só o tempo – e as decisões criativas da Capcom – dirão.

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Via: VGC

O Desafio da Identidade Versus o Apelo de Massa

E aí que mora o verdadeiro nó da questão, não é mesmo? Como você expande uma franquia sem diluir sua essência? Pegue o Ace Attorney, por exemplo. O charme da série está justamente em seu ritmo deliberado, na construção meticulosa de casos e na personalidade excêntrica de seus personagens. Tentar transformá-lo em um jogo de ação frenética para competir com Call of Duty seria um desastre. Mas, por outro lado, como você leva uma narrativa tão dependente de texto e lógica para um público que consome conteúdo em ritmo de TikTok?

Talvez a resposta não esteja em mudar o gênero, mas em evoluir a apresentação. Imagine uma nova saga do Phoenix Wright com dublagem completa, animações cinematográficas e uma interface que torne as investigações mais imersivas e menos baseadas em cliques em menus. A Capcom já mostrou que sabe fazer isso com a série Resident Evil, que transitou do terror de survival horror puro para uma ação mais acessível, sem perder completamente sua alma. O desafio será replicar essa transição de forma orgânica para séries com DNA tão diferente.

Com o Mega Man, o paradoxo é outro. A série é a definição de "clássico cult" – todo mundo conhece, todo mundo respeita, mas os lançamentos principais são raros. A estratégia da Capcom parece ter sido, por anos, explorar o personagem em spin-offs, coleções e merchandising, enquanto a linha principal ficava em hiato. O sucesso do Mega Man 11 provou que a fome por um jogo clássico, bem-feito, ainda existe. A pergunta que fica é: será que a empresa vai investir em uma nova trilogia regular, ou vai continuar no ciclo de um jogo a cada década?

E não podemos esquecer do universo expandido. Resident Evil não é mais apenas jogos; é filmes (bons e ruins), séries, action figures, roupas. Street Fighter transcendeu os arcades há muito tempo. Para que Devil May Cry ou Ace Attorney alcancem esse status, a Capcom precisará pensar além do console. Uma série animada de Devil May Cry com a qualidade de Castlevania da Netflix? Uma peça de teatro ou uma websérie live-action de Ace Attorney? Soa ambicioso, mas é nesse tipo de aposta que uma IP se torna verdadeiramente "central".

O Papel dos Remakes e a Nostalgia como Alicerce

Olhando para o histórico recente, fica claro que os remakes são uma peça fundamental na estratégia da Capcom. O Resident Evil 2 Remake não foi apenas uma releitura fiel; foi uma redefinição do que um remake pode ser, vendendo milhões e revitalizando a franquia inteira. É uma lição que a empresa certamente não esqueceu.

Por que, então, não aplicar a mesma fórmula a outras séries? Um remake do clássico Devil May Cry 3: Dante's Awakening, com a engine RE Engine e controles modernizados, seria recebido com festa pelos fãs e serviria como uma porta de entrada perfeita para novos jogadores. O mesmo vale para o lendário Mega Man X. Na verdade, um remake da trilogia original do X, contando uma história mais coesa e com gráficos 2.5D deslumbrantes, tem potencial para ser um evento.

Esses projetos fazem mais do que apenas gerar vendas seguras. Eles mantêm a chama acesa. Eles reafirmam o valor cultural da IP. E, talvez o mais importante, eles compram tempo e geram capital para que a Capcom possa arriscar em novas entradas originais, com orçamentos maiores e escopos mais ambiciosos. É um ciclo: o remake alimenta a nostalgia, que gera receita e interesse, que financia o novo.

Mas há um risco aqui também, certo? A armadilha da nostalgia. Se a empresa passar a depender excessivamente de repaginar o passado, pode acabar sendo vista como incapaz de inovar. O equilíbrio é delicado. Para cada Resident Evil 4 Remake, precisa haver um Resident Evil 7: Biohazard ou um Resident Evil Village ousando em novas direções. As franquias "em ascensão" precisarão desse mesmo mix de respeito ao legado e coragem para o novo.

E você, como fã, o que prefere? Uma enxurrada de remakes impecáveis dos clássicos que você ama, ou a Capcom arriscando tudo em uma sequência totalmente nova que pode desagradar puristas, mas tem a chance de catapultar a série para outro patamar? Não é uma escolha fácil, e acredito que a resposta da empresa será "um pouco dos dois".

O que me leva a pensar no ecossistema de plataformas. Resident Evil e Street Fighter estão em tudo quanto é lugar: PlayStation, Xbox, PC, até no Switch em versões adaptadas. Já Ace Attorney tem uma história mais ligada à Nintendo. Para crescer, essas séries precisam de ubiquidade. Um novo Ace Attorney lançado simultaneamente no PC, consoles da Sony e Microsoft, e talvez até com um modo portátil otimizado para Steam Deck, atingiria um público muito maior do que um lançamento exclusivo. A estratégia de multiplataforma não é mais um luxo; é uma necessidade para quem almeja o status de "IP central".

Com informações do: Adrenaline