Meio século após sua estreia como um conceito que roubou a cena no Salão de Paris de 1975, a silhueta inconfundível do Lotus Esprit está de volta. Mas não espere uma simples réplica de museu. O que a Encor Automotive está propondo com o Series 1 2026 é algo muito mais ambicioso: um "restomod" que funde a alma do clássico com a tecnologia e performance do século XXI, tudo embrulhado em uma carroceria de fibra de carbono. É uma homenagem que não tem medo de reescrever algumas regras.

Mais do que uma Restauração: Uma Reengenharia Completa
Batizado de Encor Series 1 2026, este projeto vai muito além de polir cromados e retocar a pintura. Desenvolvido no Reino Unido por uma equipe de ex-engenheiros e designers de pesos-pesados como Lotus, Aston Martin e Koenigsegg, ele é uma recriação completa. A missão era clara: preservar a icônica silhueta em forma de cunho, eternizada por Roger Moore em "007 – O Espião Que Me Amava", mas livrá-la das limitações intrínsecas da construção original em fibra de vidro dos anos 70.
Como eles fizeram isso? Em primeiro lugar, descartando a carroceria original. O corpo do carro agora é uma peça única moldada em autoclave com fibra de carbono, uma técnica comum em supercarros modernos. Isso não só reduz drasticamente o peso, mas também aumenta a rigidez estrutural. A equipe de design, liderada por Daniel Durrant, chegou ao ponto de escanear digitalmente um Esprit original para corrigir imperfeições de superfície que eram simplesmente aceitas no processo de fabricação da época. O resultado é uma pureza de linhas que o próprio Giorgetto Giugiaro, designer do original, aprovaria.

O Coração de um Predador Moderno
Aqui está uma das mudanças mais radicais—e polêmicas para os puristas. O Encor abandona os modestos motores de quatro cilindros que equipavam o Esprit S1 original (com cerca de 162 cv) e também supera o V8 de fábrica que surgiu apenas em 1996 (com 355 cv). No lugar, ele recebe o coração de um Esprit V8 doador, mas que passa por uma transformação profunda.
O bloco 3.5 litro V8 biturbo é reconstruído com componentes de alta performance: pistões forjados, turbocompressores novos, sistema de injeção modernizado e escapamento em aço inoxidável. O resultado? Uma potência estimada em 406 cv e 48,4 kgfm de torque. E, em minha opinião, a escolha mais interessante: a transmissão. Eles mantiveram o câmbio manual de cinco marchas, reforçado pela especialista Quaife, com uma embreagem de disco duplo. É uma declaração de intenções. Em uma era de caixas automáticas de dupla embreagem e trocas milimétricas, eles optaram pela conexão analógica e pelo desafio que só um câmbio manual proporciona.

Junte essa potência a uma carroceria de carbono que mantém o peso abaixo dos 1.200 kg, e você tem números de superesportivo moderno: 0 a 100 km/h em 4 segundos e velocidade máxima de 281 km/h. Mas será que números brutos são tudo? A Encor parece pensar que não. A direção, por exemplo, mantém assistência hidráulica para preservar o feedback tátil da estrada, uma decisão deliberada para fugir da sensação "anestesiada" das caixas de direção elétrica atuais. O chassi doador é restaurado e a suspensão é atualizada para a especificação do raro Sport 350, enquanto a frenagem fica a cargo de um sistema moderno da AP Racing.
O Interior: Onde o Passado Encontra o Presente
Dentro do cockpit, a filosofia é a mesma: integração sem ruptura. A sensação é de imersão total, típica dos esportivos dos anos 70 e 80. Eles mantiveram elementos nostálgicos charmosos, como o acabamento em tecido xadrez tartan nos bancos. No entanto, o quadro de instrumentos tradicional deu lugar a uma peça usinada em alumínio que abriga uma tela digital de alta resolução.

Itens como ar-condicionado e sistema de infotenimento foram desenvolvidos pela Skyships Automotive para serem discretos e integrados. A prioridade máxima claramente não é ter a maior tela touchscreen, mas sim uma experiência de pilotagem pura. Até os famosos faróis escamoteáveis, uma marca registrada do modelo, foram mantidos, mas agora abrigam tecnologia LED moderna. É um equilíbrio delicado entre charme retrô e funcionalidade contemporânea que, pelas imagens, parece muito bem resolvido.

Exclusividade com um Preço (e um Requisito) Elevados
Tanta engenharia e cuidado artesanal têm um custo, é claro. E não é baixo. O preço de entrada para o Encor Series 1 2026 é de 430.000 libras esterlinas, o que equivale a aproximadamente R$ 3,3 milhões na cotação direta, sem incluir impostos de importação. Mas o dinheiro não é o único requisito.
A produção será limitada a apenas 50 unidades para o mundo todo, e há uma condição peculiar: o cliente precisa fornecer um Lotus Esprit V8 original para servir como doador do projeto. Isso transforma cada unidade em uma peça verdadeiramente única e personalizada, mas também levanta questões sobre o futuro desses carros doadores. As primeiras entregas estão previstas para meados de 2026.

O que o Encor Series 1 2026 representa, então? É mais um capítulo no crescente movimento "restomod", onde clássicos são ressuscitados não com peças de reposição originais, mas com uma segunda chance de brilhar com o que há de melhor hoje. É para quem ama a forma do Esprit, mas deseja a confiabilidade, a segurança e a performance de um carro novo. É um projeto caro, exclusivo e certamente divisivo. Mas é inegavelmente fascinante. Ele prova que a paixão por um design com meio século de vida pode ser o combustível para projetos de engenharia audaciosos. Resta saber se os puristas vêem isso como uma evolução natural ou como uma reinterpretação que se afasta demais da essência.
Mas vamos falar sobre o que realmente significa possuir um carro como esse. Você não está apenas comprando um veículo; está adquirindo uma experiência de propriedade que mistura a nostalgia de um clássico com as expectativas de um supercarro moderno. A Encor promete um programa de suporte pós-venda robusto, algo que o Lotus original dos anos 70 e 80, famoso por sua eletrônica temperamental e manutenção exigente, nunca poderia oferecer. Isso inclui garantia, suporte técnico especializado e até mesmo a possibilidade de upgrades futuros. É uma tentativa de resolver um dos maiores dilemas dos entusiastas de carros clássicos: o amor pela máquina versus o pesadelo da manutenção.
O Desafio da Autenticidade em um Mundo de Restomods
O movimento restomod, é claro, não é novidade. Empresas como Singer Vehicle Design com os Porsche 911 ou Eagle com os Jaguar E-Type já pavimentaram esse caminho. O que o Encor traz de diferente é o nível de intervenção. Eles não estão apenas atualizando um carro existente; estão essencialmente construindo um novo carro a partir de um VIN e de algumas peças centrais de um doador. Isso levanta uma questão filosófica interessante: em que ponto um restomod deixa de ser uma versão aprimorada do original e se torna um carro completamente novo que apenas se parece com ele?
Para alguns colecionadores, a alma de um carro está intrinsecamente ligada à sua construção original, às suas imperfeições e ao seu histórico. A magia de um Esprit original, com seu cheiro característico de fibra de vidro e plástico, seu ruído mecânico único e suas peculiaridades ao volante, é parte indivisível da experiência. O Encor, ao eliminar essas "imperfeições" através de engenharia de ponta e materiais de última geração, oferece uma experiência mais refinada e potente, mas potencialmente menos autêntica em termos de caráter. É uma troca. E, francamente, não há resposta certa ou errada aqui—depende totalmente do que o proprietário busca.

Além da Performance: A Jornada de Personalização
Outro aspecto fascinante do projeto Series 1 2026 é o processo de personalização. Como cada carro começa com um Esprit V8 doador fornecido pelo cliente, a Encor trabalha em estreita colaboração com o comprador desde o início. A cor da carroceria de carbono, os acabamentos internos, o tipo de couro ou tecido para os bancos, e até detalhes como a costura do volante—tudo pode ser especificado. Eles até mencionam a possibilidade de ajustes no mapa do motor e no setup da suspensão para refletir a preferência de condução do proprietário.
Isso transforma a espera de 12 a 18 meses por entrega em uma jornada de cocriação. Imagine escolher o tom exato de verde que homenageia o famoso Esprit de 007 - O Espião Que Me Amava, ou optar por um interior totalmente em couro Connolly, como nos Aston Martin da velha guarda. Esse nível de envolvimento é raro até mesmo no mundo dos hipercarros de produção limitada e adiciona uma camada emocional significativa à posse. Não é apenas um item comprado de um catálogo; é uma peça de automobilismo feita sob medida, com a sua história pessoal embutida nela—ou pelo menos, a história do carro doador que você forneceu.
E o que acontece com os componentes originais do Esprit doador que não são utilizados? A Encor afirma que itens como a carroceria de fibra de vidro original, o interior completo e várias peças mecânicas são catalogados, embalados e devolvidos ao cliente. É uma forma de preservar a "alma" original do carro, mesmo que seu coração e corpo tenham sido transplantados para uma nova forma. Um colecionador meticuloso poderia, teoricamente, guardar essas peças ou até mesmo usá-las para restaurar outro chassis no futuro. É um gesto que reconhece o valor histórico do objeto, mesmo dentro de um processo tão radical de transformação.
O Impacto no Mercado e no Futuro dos Clássicos
A chegada de projetos como o Encor Series 1 inevitavelmente causa ondas no mercado de carros clássicos. Por um lado, pode aumentar o valor e o interesse geral pelo Lotus Esprit, especialmente pelos modelos V8 que são necessários como doadores. Por outro, também pode retirar 50 exemplares perfeitamente restauráveis do circuito, convertendo-os em algo diferente. Será que veremos uma escassez ainda maior de bons Esprits V8 no mercado aberto? É possível.
Além disso, será que o sucesso (ou fracasso) comercial do Encor abrirá as portas para restomods igualmente ambiciosos de outros ícones britânicos subvalorizados? Pense no TVR Griffith, no Marcos Mantis ou até em versões anteriores do próprio Lotus, como o Elan. Se houver demanda por uma experiência clássica sem as dores de cabeça clássicas, o modelo de negócio da Encor pode se tornar um blueprint. A tecnologia de fibra de carbono e a eletrônica modular tornam essas conversões mais viáveis do que nunca.
No fim das contas, o Encor Series 1 2026 é um experimento audacioso. Ele testa os limites do que é aceitável na reinterpretação de um clássico, desafia noções de autenticidade e coloca uma etiqueta de preço astronômica em uma proposta emocional. Para o entusiasta que sempre sonhou com um Esprit mas temia a realidade da posse de um carro de 40 anos, ele oferece uma saída tentadora. Para o purista, pode parecer uma heresia bem-executada. Mas uma coisa é certa: ele mantém a conversa sobre o Lotus Esprit—um design que já tem meio século—viva, relevante e cheia de paixão. E talvez, em um mundo cada vez mais dominado por SUVs e carros elétricos que se parecem uns com os outros, esse seja o seu maior trunfo.
Com informações do: Quatro Rodas










