A Huawei revelou seus planos ambiciosos para o futuro de sua linha de aceleradores Ascend para inteligência artificial, com uma estratégia que inclui o desenvolvimento de memórias HBM próprias. Esta movimentação representa um passo significativo na busca da gigante chinesa por autonomia tecnológica em um mercado dominado por players estabelecidos como Samsung e SK hynix.
O roadmap dos chips Ascend e a aposta em HBM próprio
O primeiro produto desta nova geração será o Ascend 950PR, previsto para o primeiro trimestre de 2026. O que torna este lançamento particularmente interessante é que a Huawei afirma que ele virá com 128GB de memória HBM desenvolvida internamente, oferecendo 1,6TB/s de banda. A empresa alega que sua solução poderá competir diretamente com as oferecidas pela Samsung e SK hynix.

Esta é uma afirmação bastante ousada, considerando que a Samsung, mesmo com sua vasta experiência no mercado de memórias, enfrentou dificuldades significativas no desenvolvimento das gerações HBM3E e HBM4. Enquanto isso, a SK hynix consolidou sua posição como nova líder neste segmento de componentes avançados.
O que me surpreende é que a Huawei não divulgou detalhes sobre onde essas memórias serão fabricadas, qual arquitetura utilizarão ou qualquer informação sobre o processo de produção. Essa falta de transparência técnica levanta questões sobre a viabilidade do projeto e o timing real de entrega.
Supernodes Atlas: a infraestrutura massiva para IA
Além do roadmap de chips individuais, a Huawei revelou planos para novos supernodes - clusters massivos de aceleradores Ascend destinados à infraestrutura de IA na China. Os sistemas Atlas 950 e Atlas 960 poderão integrar até 15.488 chips Ascend, criando capacidades de computação verdadeiramente impressionantes.

O roadmap completo mostra que após o Ascend 950PR, teremos o Ascend 950DT também em 2026, prometendo 144GB de memória HBM com 4TB/s de banda. Para 2027 está previsto o Ascend 960, com o Ascend 970 chegando somente em 2028 - embora detalhes específicos sobre esses modelos ainda permaneçam escassos.
O Atlas 950 deve começar a operar ainda este ano, no último trimestre, representando um avanço significativo na capacidade computacional chinesa para aplicações de IA. Essa escalada rápida me faz questionar: a Huawei conseguirá realmente implementar toda essa tecnologia desenvolvida internamente, considerando as restrições geopolíticas que ainda enfrenta?
O contexto geopolítico e tecnológico
Esta movimentação da Huawei ocorre em um momento crucial, onde tensões geopolíticas continuam altas e o acesso a tecnologias avançadas permanece restrito para a empresa chinesa. Desenvolver HBM próprio não é apenas uma questão de inovação, mas de sobrevivência estratégica em um mercado global cada vez mais fragmentado.
Curiosamente, mesmo com o bloqueio à NVIDIA, rumores sugerem que grandes empresas de tecnologia chinesas ainda não adotaram massivamente as soluções da Huawei. Isso pode indicar either preocupações com desempenho ou confiabilidade, ou talvez estratégias corporativas mais complexas do que aparentam.
O mercado de memórias vive um momento peculiar, com preços de NAND e DRAM subindo cerca de 20% devido à pressão da IA e escassez global. Neste contexto, a entrada de um novo player como a Huawei poderia alterar dinâmicas de oferta e demanda, mas também representa riscos técnicos substanciais.
O desenvolvimento de HBM próprio pela Huawei representa um desafio técnico monumental que vai muito além do design dos chips. A fabricação dessas memórias de alta largura de banda requer processos litográficos extremamente avançados e equipamentos especializados que estão sujeitos a restrições de exportação. A SMIC, principal parceira de fabricação da Huawei, recentemente demonstrou capacidade com processos de 5nm, mas HBM3E e HBM4 exigem tecnologias ainda mais refinadas.
O que poucos percebem é que o HBM não é apenas sobre empilhar dies de memória - envolve interposers sofisticados, TSVs (Through-Silicon Vias) com milhares de conexões microscópicas, e técnicas avançadas de encapsulamento. A SK hynix levou anos para dominar essas tecnologias, e mesmo a Samsung, com toda sua expertise, enfrentou problemas de yield e confiabilidade nas gerações mais recentes.
Algo que me intriga particularmente: onde a Huawei planeja obter os equipamentos de teste e packaging necessários para HBM? Empresas como Advantest e Teradyne dominam esse mercado, e seu acesso à China permanece restrito. Desenvolver alternativas domésticas para equipamentos de teste de alta precisão pode ser tão desafiador quanto criar as próprias memórias.
Implicações para o mercado global de semicondutores
Se a Huawei realmente conseguir produzir HBM competitivo, isso poderia reconfigurar completamente as cadeias de suprimentos globais. Atualmente, a Coreia do Sul detém cerca de 90% do mercado de HBM, com a SK hynix sozinha controlando aproximadamente 50% desse mercado. A entrada de um player chinês com capacidade de produção em escala mudaria drasticamente essa dinâmica.
Mas será que a Huawei está realmente buscando competir no mercado global, ou seu objetivo é mais estratégico: criar um ecossistema totalmente independente para o mercado chinês? Dado o contexto geopolítico atual, a segunda opção parece mais provável. A China está claramente priorizando a autossuficiência em tecnologias críticas, mesmo que isso signifique soluções inicialmente inferiores às disponíveis globalmente.
O timing desses lançamentos também é interessante. 2026 parece distante, mas no ritmo acelerado do desenvolvimento de chips para IA, é praticamente amanhã. A NVIDIA já está trabalhando em sucessores do H200, e a AMD avança com suas próprias soluções. A Huawei precisaria não apenas alcançar os padrões atuais, mas antecipar onde a concorrência estará daqui a dois anos.
Algo que muitas análises ignoram: o desenvolvimento de HBM não acontece no vácuo. A arquitetura de memória precisa ser otimizada em conjunto com os aceleradores AI que irá alimentar. A Huawei está desenvolvendo simultaneamente chips Ascend mais potentes e a memória para acompanhá-los - um esforço de co-design extremamente complexo que poucas empresas no mundo tentaram.
Desafios técnicos e considerações práticas
Os números anunciados pela Huawei - 128GB com 1,6TB/s de banda - colocam seu HBM teórico no patamar do HBM3E atual. Mas bandwidth é apenas parte da equação. Latência, eficiência energética, confiabilidade em diferentes condições térmicas e yield de fabricação são fatores igualmente críticos onde a experiência conta muito.
Lembro-me de quando a Micron tentou competir no mercado de HBM e enfrentou desafios enormes mesmo sendo uma das três grandes de memória. Desenvolver HBM requer não apenas expertise em design, mas domínio de processos de fabricação que estão entre os mais complexos da indústria de semicondutores.
Outra questão prática: mesmo que a Huawei consiga produzir HBM funcional, qual será o custo? A SK hynix e a Samsung têm economias de escala e processos otimizados ao longo de anos. A Huawei começaria essencialmente do zero, o que significa custos inicialmente mais altos e possíveis limitações de volume.
E quanto ao consumo energético? HBM já é intrinsicamente mais eficiente que GDDR, mas cada geração traz melhorias incrementais nessa área. A Huawei precisaria igualar ou superar a eficiência dos produtos estabelecidos para ser realmente competitiva, especialmente em data centers onde o poder de computação por watt se tornou métrica crucial.
O silêncio da Huawei sobre detalhes técnicos específicos - tipo de stack, tecnologia de interposer, processo de fabricação exato - sugere either que ainda estão em fase exploratória ou que preferem não revelar suas cartas muito cedo. Na minha experiência, quando empresas anunciam produtos anos antes do lançamento sem detalhes técnicos, geralmente indica que ainda há significativos obstáculos a superar.
O roadmap agressivo me faz pensar: será que a Huawei está tentando sinalizar capacidade para clientes potenciais e investidores, mesmo sabendo que os prazos podem ser otimistas? No ambiente competitivo atual, às vezes a percepção de capacidade tecnológica é quase tão importante quanto a capacidade real.
Com informações do: Adrenaline