Em uma revelação que pode surpreender alguns fãs, Walton Goggins, o ator que interpreta o Ghoul na aclamada série Fallout do Prime Video, admitiu publicamente que nunca jogou os jogos de RPG que deram origem à produção. A declaração, feita em uma entrevista, levanta uma questão interessante sobre o processo criativo dos atores e sua relação com o material de origem.
Foco no Personagem, Não no Lore
Goggins, conhecido por seus papéis intensos e carismáticos em séries como Justified e The Shield, foi direto ao ponto. "Não joguei e não vou jogar", afirmou, deixando claro que seu interesse está centrado exclusivamente no trabalho de atuação. Para ele, a construção do personagem do Ghoul — um caçador de recompensas imortal e com o rosto desfigrado — partiu do roteiro e das direções dos criadores da série, Jonathan Nolan e Lisa Joy, e não de uma imersão nos videogames.
E sabe de uma coisa? Essa abordagem não é tão incomum quanto parece. Muitos atores, especialmente ao adaptar obras de culto, optam por se distanciar do material original para evitar influências externas ou para não se sentir presos às expectativas dos fãs. O objetivo é encontrar a verdade do personagem dentro do texto que receberam, criando uma interpretação única que sirva à narrativa da série, que é uma história original ambientada no mesmo universo.
O Universo Fallout: Dos Jogos Para a TV
Para contextualizar, a franquia Fallout começou em 1997 com um jogo de RPG de computador que se passava em um futuro pós-apocalíptico retrofuturista, fortemente inspirado na cultura dos anos 1950. O tom satírico, a crítica social e o mundo aberto rico em detalhes cativaram milhões. A série do Prime Video, no entanto, não é uma adaptação direta de nenhum jogo específico. Ela cria uma nova história dentro do mesmo cânone, seguindo três personagens — Lucy (Ella Purnell), Maximus (Aaron Moten) e o Ghoul (Goggins) — após um evento nuclear.
A produção investiu pesado na estética visual característica dos jogos, desde os trajes dos personagens até os cenários destruídos e a tecnologia anacrônica. Mas a pergunta que fica é: um ator precisa conhecer a fundo esse universo para representá-lo bem? Goggins parece acreditar que não. Sua performance tem sido elogiada pela crítica, sugerindo que seu método, embora inesperado para os fãs, está funcionando.
Reações e o Papel do Ator em Adaptações
A declaração de Goggins provavelmente dividirá opiniões. De um lado, os fãs mais puristas podem estranhar a falta de engajamento com a fonte que deu vida ao mundo que ele agora habita. Por outro, há quem defenda que a função do ator é interpretar, não necessariamente ser um especialista no lore. Afinal, você precisa ter lutado em uma guerra para interpretar um soldado convincente? A analogia é extrema, mas ilustra o ponto.
Na minha experiência acompanhando adaptações, vejo que o sucesso muitas vezes depende de um equilíbrio. Os showrunners e diretores, como Nolan e Joy, carregam a responsabilidade de ser fiéis ao espírito da obra. Já os atores trazem o personagem à vida com suas ferramentas. Goggins, com sua presença de tela marcante e entrega visceral, parece ter capturado a essência cínica e sobrevivente de um habitante do wasteland, mesmo sem ter passado horas customizando seu S.P.E.C.I.A.L. ou explorando o Vault-Tec.
E você, o que acha? A imersão no material de origem é essencial para uma boa atuação em uma adaptação, ou o talento e a direção são suficientes? A resposta pode não ser simples, mas o caso de Walton Goggins certamente alimenta o debate sobre como as histórias que amamos migram de uma mídia para outra.
Mas vamos pensar um pouco mais sobre essa dinâmica entre ator e material de origem. É curioso como essa não é a primeira vez que algo assim acontece. Lembro-me de Henry Cavill, um ávido jogador de The Witcher e fã declarado dos livros, que praticamente fez campanha para o papel de Geralt de Rívia. Sua performance foi celebrada justamente por essa conexão profunda com o lore. Do outro lado do espectro, temos casos como o de Tom Hiddleston, que admitiu não ter lido todos os quadrinhos do Loki antes de assumir o papel no Universo Cinematográfico Marvel. Ambos são atores brilhantes, mas com abordagens radicalmente diferentes.
O que isso nos diz? Talvez não exista um manual. O processo criativo é, por natureza, pessoal e caótico. Para alguns, mergulhar na mitologia é um combustível essencial. Para outros, como Goggins, pode ser um ruído desnecessário. Ele parece acreditar que muita informação de bastidores pode turvar a clareza emocional que ele busca para o personagem. É quase como um pintor que evita olhar para a obra de outros mestres enquanto está no meio de seu próprio trabalho, por medo de perder sua voz única.
A Pressão Invisível das Expectativas dos Fãs
E não podemos ignorar o elefante na sala: a pressão dos fãs. Adaptar uma franquia com uma base tão dedicada e… digamos, vocal… como Fallout não é para os fracos de coração. Cada detalhe de figurino, cada piada interna, cada referência ao lore é dissecada com um microscópio. Um ator que se declara superfã pode, ironicamente, criar uma expectativa ainda maior e mais difícil de ser correspondida. Qualquer deslize na "autenticidade" seria visto como uma traição.
Ao adotar a postura de Goggins — "meu trabalho é este roteiro, este diretor, este personagem" — ele pode estar, de forma inteligente, se blindando dessa pressão. Ele não está se vendendo como o "porta-voz dos fãs na tela". Está se apresentando como um intérprete contratado para um trabalho específico. É uma posição mais defensável, artisticamente falando. Se sua performance agrada aos fãs, ótimo. Se não, a crítica não pode ser "ele não é um verdadeiro fã", porque ele nunca afirmou ser. A discussão fica restrita à sua atuação, ponto final.
Isso me faz perguntar: será que, no fundo, essa é uma forma de proteger a própria sanidade criativa? Em um mundo onde atores são constantemente bombardeados com opiniões nas redes sociais, criar um pequeno bunker mental onde apenas o trabalho do diretor e o texto importam pode ser uma estratégia de sobrevivência.
O Papel da Direção e do Roteiro na Ponte Criativa
Claro, essa abordagem só funciona se houver uma equipe de bastidores extremamente competente servindo de ponte. Jonathan Nolan e Lisa Joy, os criadores da série, são obviamente profundos conhecedores do universo Fallout. Eles são os guardiões do tom, da estética e do espírito. Cabe a eles filtrar o que é essencial do lore e entregar aos atores no roteiro, nas referências visuais e nas orientações no set.
Pense no Ghoul. Goggins não precisou jogar 200 horas para entender o que é um "feral ghoul" ou o significado de "RadAway". Provavelmente, em seu material de cena ou em conversas com os diretores, ele recebeu explicações contextuais: "Seu personagem foi exposto a radiação extrema por séculos. Ele sente dor, mas a regeneração é rápida. Sua moralidade é flexível, moldada pela pura necessidade de sobreviver em um mundo sem lei." Essa é a informação útil para um ator. O nome técnico dos itens do jogo ou os detalhes de missões secundárias em Fallout: New Vegas são irrelevantes para a construção emocional do momento.
É um trabalho de curadoria. Os showrunners pegam um universo vasto e complexo e destilam seus elementos dramáticos fundamentais para a trupe de atores. Nesse modelo, o ator confia na visão dos criadores da mesma forma que um músico em uma orquestra confia no maestro para a interpretação geral da sinfonia. Ele domina sua parte, seu instrumento (o personagem), sem precisar ser um especialista em teoria musical histórica.
E então surge outra camada interessante: a contribuição inconsciente. Sem o "peso" do lore dos jogos, Goggins pode ter trazido referências e nuances completamente externas ao universo Fallout para o Ghoul. Talvez um pouco do cínico Lee Russell de Vice, ou da resiliência cruel de Boyd Crowder de Justified. Essa mistura, filtrada pela visão dos Nolan/Joy, pode ter criado algo novo e fresco dentro do cânone estabelecido. Algo que nem os fãs mais hardcore esperavam, mas que ainda assim soa "certo" para aquele mundo.
No final, o debate sobre Goggins toca em algo maior sobre como consumimos cultura hoje. Vivemos na era da "autenticidade" como commodity. Queremos que nossos ídolos sejam fãs genuínos. Mas será que estamos, sem querer, confundindo fandom com competência profissional? A história do entretenimento está cheia de performances icônicas em papéis históricos ou baseados em livros feitas por atores que não eram especialistas no período ou não haviam lido a obra original. Eles fizeram seu dever de casa, sim, mas um dever de casa focado no ofício da atuação.
A série Fallout foi um sucesso estrondoso, e a atuação de Goggins é constantemente citada como um dos grandes destaques. Os fãs dos jogos, em sua maioria, parecem tê-lo abraçado. Isso sugere que seu método, por mais herético que pareça à primeira vista, funcionou na prática. O resultado está na tela. E talvez seja isso que realmente importe: não o caminho que o ator percorreu, mas o destino onde ele nos leva, espectadores.
Com informações do: IGN Brasil











