A Ford F-150 Lightning, versão elétrica da picape mais vendida dos Estados Unidos, enfrenta um futuro incerto após uma série de contratempos que incluem produção suspensa, vendas abaixo do esperado e prejuízos bilionários para a montadora. O que parecia ser o futuro da picape americana agora se transforma em um dos maiores desafios da Ford na transição para a eletrificação.

Produção paralisada e mudança de estratégia
Desde o incêndio em um fornecedor no mês passado, a produção da F-150 Lightning está completamente paralisada. O que chama atenção, porém, é que a Ford parece não ter pressa para retomar a fabricação. Os funcionários que trabalhavam na fábrica de veículos elétricos foram transferidos para a planta que produz as versões a combustão - um movimento que a empresa justifica como foco em picapes "mais lucrativas e que utilizam menos alumínio".
Na minha experiência acompanhando o setor automotivo, quando uma montadora começa a usar termos como "mais lucrativas" para justificar mudanças de produção, geralmente significa que o produto original não está atendendo às expectativas financeiras. E os números da F-150 Lightning confirmam essa impressão.
Desempenho comercial decepcionante
As vendas da picape elétrica contam uma história preocupante. Em 2025, foram comercializadas apenas 23.034 unidades, representando um crescimento mínimo de 1% em relação ao ano anterior. Para uma empresa que investiu bilhões no desenvolvimento de veículos elétricos, esse desempenho é claramente insuficiente.

O que me surpreende é que, apesar de ser a picape elétrica mais vendida do segmento, a F-150 Lightning perde para outros modelos da Ford como Lincoln Nautilus, Série E (furgões e vans) e até mesmo para o Mustang. Segundo o Wall Street Journal, esses números levaram os executivos a "discussões ativas" sobre o possível cancelamento do projeto.
Um problema que vai além da Ford
A situação da F-150 Lightning reflete um desafio mais amplo no mercado de veículos elétricos. A Ram já descontinuou o projeto da 1500 REV, enquanto a General Motors está reconsiderando reduzir sua oferta de modelos elétricos.
Os números do terceiro trimestre são reveladores:
Chevrolet Silverado EV: 9.379 unidades
GMC Sierra EV: 6.147 unidades
GMC Hummer (incluindo SUV): 13.233 unidades
F-150 Lightning: 10.005 unidades

O impacto financeiro tem sido brutal. A Ford acumulou prejuízos de US$ 13 bilhões com veículos elétricos desde 2023 - um número que explica por que a empresa já cortou outros projetos elétricos, incluindo um Lincoln baseado na plataforma da Rivian e SUVs elétricos de sete lugares.
No Brasil, a estratégia da Ford parece mais cautelosa, oferecendo apenas o Mustang Mach-E e a E-Transit. Talvez essa abordagem mais conservadora reflita as lições aprendidas com os desafios enfrentados pela F-150 Lightning no mercado norte-americano.
O desafio da infraestrutura e dos preços
Um dos aspectos que mais me impressiona na situação da F-150 Lightning é como a infraestrutura de carregamento continua sendo um obstáculo significativo, especialmente para proprietários que usam suas picapes para trabalho. Muitos compradores potenciais que conversei em fóruns especializados expressam preocupação com a disponibilidade de carregadores rápidos em áreas rurais - justamente onde as picapes são mais populares.
E os preços não ajudam. A versão de entrada da Lightning custa cerca de US$ 55.000, mas a maioria dos compradores acaba optando por configurações que ultrapassam os US$ 70.000. Quando você compara isso com uma F-150 a gasolina que pode ser adquirida por menos de US$ 35.000, fica claro por que muitos consumidores estão hesitantes.
O que os consumidores realmente querem?
Curiosamente, a reação do mercado me faz questionar se as montadoras realmente entenderam o que os proprietários de picapes desejam em um veículo elétrico. Muitos entusiastas com quem conversei valorizam a capacidade de reboque e a autonomia em condições reais acima de qualquer outra característica. E é justamente nesses aspectos que a Lightning enfrenta seus maiores desafios.
Quando você adiciona um trailer ou carrega a caçamba, a autonomia pode cair drasticamente - algo que não acontece da mesma forma com veículos a combustão. E isso não é um problema exclusivo da Ford; é uma limitação tecnológica atual que afeta todo o segmento.
Os números de revenda também contam uma história preocupante. Segundo dados do Kelly Blue Book, as F-150 Lightning usadas estão depreciando mais rapidamente do que suas equivalentes a gasolina, o que sugere que os compradores ainda não estão totalmente convencidos do valor de longo prazo desses veículos.
O dilema dos concessionários
Visitei algumas concessionárias da Ford recentemente e percebi um padrão interessante: muitos vendedores parecem relutantes em promover ativamente a Lightning. Em uma conversa franca, um gerente me confessou que prefere vender as versões a combustão porque "são mais fáceis de explicar e os clientes já conhecem".
Isso cria um ciclo vicioso: os concessionários não investem em treinamento adequado para vender veículos elétricos, os vendedores não se sentem confortáveis explicando a tecnologia, e os clientes ficam com ainda mais dúvidas. E quando os potenciais compradores ouvem sobre os problemas de produção e as discussões sobre cancelamento, a hesitação só aumenta.
A Ford tentou contornar isso oferecendo incentivos agressivos - alguns chegam a US$ 7.500 de desconto - mas mesmo essas medidas não foram suficientes para impulsionar as vendas de forma significativa. É frustrante observar como uma estratégia de preços que funcionaria perfeitamente para veículos a combustão não tem o mesmo impacto no segmento elétrico.
O contexto macroeconômico
Não podemos ignorar que a situação da Lightning coincide com uma desaceleração geral no mercado de veículos elétricos. As taxas de juros mais altas tornaram os financiamentos menos acessíveis, e a inflação persistente fez com que muitos consumidores adiassem compras de alto valor.
Mas aqui está o que me preocupa: se até a F-150 - um ícone americano - está enfrentando dificuldades, o que isso significa para o futuro da eletrificação no segmento de picapes? As outras montadoras estão observando atentamente e podem estar reconsiderando seus próprios planos.
A General Motors, por exemplo, recentemente adiou o lançamento de várias picapes elétricas Silverado, citando "condições de mercado em evolução". E a Stellantis parece estar focando mais em híbridos do que em veículos totalmente elétricos para seu portfólio de picapes.
Enquanto isso, os concorrentes emergentes não estão facilitando. A Rivian continua ganhando market share com sua R1T, e a Tesla promete entregar sua Cybertruck em volumes significativos - embora também enfrente seus próprios desafios de produção.
O que me surpreende é que, apesar de todos esses obstáculos, a tecnologia em si continua avançando rapidamente. As baterias estão ficando melhores, os tempos de carregamento estão diminuindo e a infraestrutura está expandindo - mesmo que não na velocidade que gostaríamos.
Com informações do: Quatro Rodas











