A Hyundai revelou sua estratégia ambiciosa para os próximos anos durante o CEO Investor Day 2025, e os planos para picapes médias chamam atenção por sua complexidade. A montadora coreana não está apostando em uma única solução global, mas sim desenvolvendo veículos específicos para diferentes mercados - uma abordagem que reflete as particularidades regionais do segmento de picapes.

Duas Picapes, Dois Caminhos Diferentes

O que mais surpreende na estratégia da Hyundai é a decisão de criar duas picapes médias distintas. A primeira, desenvolvida em parceria com a General Motors, será fabricada no Brasil usando a plataforma da Chevrolet S10 e deve chegar ao mercado em 2028. Esta versão aproveitará a mecânica diesel da GM e atenderá principalmente ao mercado sul-americano.

Ilustração de como seria uma picape média da Hyundai

Já a segunda picape média será exclusiva para os Estados Unidos e tem previsão de lançamento entre 2029 e 2030. Esta versão ignorará completamente a plataforma da S10 brasileira e provavelmente compartilhará chassis e motorizações com o Kia Tasman, mas com design próprio da Hyundai.

Por que duas abordagens tão diferentes? A resposta está nas peculiaridades de cada mercado. Enquanto o Brasil valoriza motores diesel e custos competitivos, os EUA demandam tecnologia mais avançada e diferentes opções de propulsão.

Tecnologia e Eletrificação no Centro da Estratégia

A picape média norte-americana representa o que há de mais moderno na estratégia da Hyundai. Diferente da versão brasileira, ela contará com motores a gasolina da própria Hyundai e opções híbridas completa (HEV) e plug-in (PHEV). Esta abordagem tecnológica faz parte de um plano maior da montadora.

CEO Investor Day 2025 - Estratégia de eletrificação

Até 2030, a Hyundai pretende que 60% de suas vendas globais sejam de veículos eletrificados. A empresa expandirá sua linha de híbridos para mais de 18 modelos e introduzirá veículos elétricos de autonomia estendida (EREV) com promessa de até 960 km de autonomia até 2027.

No Brasil, já vemos os primeiros sinais dessa estratégia com o lançamento recente do SUV Kona híbrido. A divisão de luxo Genesis também será contemplada com novos híbridos nos próximos cinco anos.

Lições do Passado e Visão de Futuro

A experiência da Hyundai com a Santa Cruz nos EUA provavelmente influenciou a decisão de criar uma picape específica para aquele mercado. A picape monobloco intermediária não alcançou o sucesso esperado, demonstrando que o mercado norte-americano de picapes tem exigências muito específicas.

CEO Investor Day 2025 - Visão futura

José Muñoz, presidente e CEO da Hyundai Motor Company, destacou que a empresa não está apenas se adaptando às mudanças da indústria, mas buscando liderá-las. O compromisso com veículos definidos por software e excelência de fabricação mostra uma visão de longo prazo que vai além das tendências atuais.

A divisão esportiva Hyundai N também terá expansão significativa, passando dos atuais modelos como Ioniq 5 N, Ioniq 6 N e Elantra N para mais de sete veículos até 2030. Esta diversificação de produtos reflete uma estratégia complexa que considera não apenas tecnologia, mas também aspectos emocionais e de desempenho.

O que me impressiona nesta estratégia é como a Hyundai está evitando soluções únicas para mercados diversos. Em vez de tentar impor um produto global, a empresa está adaptando suas ofertas às realidades regionais - uma abordagem que pode ser mais trabalhosa, mas potencialmente mais eficaz a longo prazo.

O Desafio de Atender Mercados Tão Distintos

Desenvolver veículos específicos para mercados tão diferentes como Brasil e Estados Unidos não é uma tarefa simples - e os custos envolvidos são significativos. A Hyundai está basicamente criando duas picapes médias do zero, com engenharias distintas, linhas de produção separadas e estratégias de marketing completamente diferentes. Será que esse investimento valerá a pena?

Na minha experiência acompanhando a indústria automotiva, poucas montadoras se arriscam em estratégias tão fragmentadas. A tendência geral tem sido justamente o oposto: plataformas globais que servem a múltiplos mercados para reduzir custos de desenvolvimento. A Hyundai parece estar indo na contramão dessa lógica, apostando que a customização regional trará melhores resultados.

O mercado norte-americano de picapes é particularmente exigente - e conservador. Os consumidores têm expectativas muito específicas sobre capacidade de carga, desempenho off-road, tecnologia de conectividade e, claro, design robusto. A Santa Cruz, apesar de suas qualidades, não conseguiu conquistar esse público mais tradicional. A nova picape média precisará superar essas barreiras culturais.

E o que isso significa para o Brasil? A versão baseada na S10 chegará primeiro, em 2028, e terá a vantagem de usar uma plataforma já consagrada no mercado. Mas será que os brasileiros aceitarão pagar por uma Hyundai que é essencialmente uma Chevrolet com outra carroceria? O preço será determinante aqui.

A Corrida Tecnológica nas Picapes Médias

Enquanto a picape brasileira focará no diesel - ainda rei no segmento de trabalho por aqui -, a versão norte-americana entrará em um mercado que está se eletrificando rapidamente. A Ford já anunciou uma versão elétrica da Ranger, e a Toyota não ficará para trás com a Tacoma. A Hyundai precisará competir nesse cenário cada vez mais tecnológico.

As opções híbridas que a marca planeja oferecer podem ser um trunfo interessante. Um híbrido plug-in com boa autonomia elétrica para o dia a dia e um motor a gasolina para viagens mais longas poderia agradar tanto aos preocupados com eficiência energética quanto aos que ainda desconfiam da infraestrutura de carregamento.

Tecnologias de propulsão da Hyundai

Mas há um desafio que poucos comentam: a confiabilidade. Picapes são compradas por pessoas que dependem delas para trabalho, e qualquer problema crônico pode manchar a reputação de uma marca por anos. A Hyundai construiu uma imagem sólida em termos de garantia e confiabilidade nos EUA - algo que não pode ser comprometido com o lançamento de uma picape.

E falando em reputação, como ficará o posicionamento da marca? A Hyundai sempre foi associada a veículos de passeio e SUVs. Entrar no competitivo mercado de picapes exigirá não apenas um produto competente, mas toda uma estratégia de rebranding para conquistar a confiança de um público diferente.

O Papel da Kia Nessa Estratégia

Não podemos esquecer que a Kia, parte do mesmo grupo, desenvolverá sua própria picape média - a Tasman. As duas marcas compartilharão plataformas e tecnologias, mas competirão no mesmo mercado. Como evitar o canibalismo entre produtos tão similares?

Historicamente, o grupo Hyundai-Kia tem sido bem-sucedido em diferenciar suas marcas: a Kia com design mais ousado e preços competitivos, a Hyundai com acabamentos mais refinados e tecnologia mais avançada. Provavelmente veremos essa mesma lógica aplicada às picapes.

O que me intriga é o timing: a Tasman chegará primeiro, dando à Kia a vantagem de ser a pioneira do grupo nesse segmento. A Hyundai terá que esperar até 2029-2030 para lançar sua versão. Será que isso criará uma situação onde a Kia "testa" o mercado para depois a Hyundai entrar com um produto mais refinado?

E no Brasil, a estratégia será diferente. Como a picape brasileira da Hyundai usará plataforma da GM, não haverá uma versão correspondente da Kia - pelo menos não inicialmente. Isso cria uma assimetria interessante na estratégia global do grupo.

As Implicações para a Concorrência

A entrada da Hyundai no segmento de picapes médias nos EUA não passará despercebida pela concorrência. A Toyota, com a Tacoma, e a Ford, com a Ranger, dominam esse mercado há décadas. Como reagirão à chegada de um novo competidor?

É provável que acelerem seus próprios planos de eletrificação e atualizações tecnológicas. A Tacoma recentemente ganhou uma versão híbrida, e a Ranger elétrica não deve demorar. A concorrência sempre beneficia o consumidor, e podemos esperar uma onda de inovações nesse segmento nos próximos anos.

Concorrência no segmento de picapes médias

No Brasil, a situação é diferente. A picape da Hyundai baseada na S10 entrará em um mercado onde a própria S10 é líder, seguida pela Toyota Hilux e Fiat Toro. A estratégia de parceria com a GM é inteligente porque reduz os riscos, mas também limita o potencial de diferenciação. Será que a Hyundai conseguirá agregar valor suficiente para justificar uma possível diferença de preço?

Um aspecto frequentemente negligenciado nessas discussões é a rede de concessionários. Picapes, especialmente as usadas para trabalho, exigem uma rede de assistência técnica robusta e bem distribuída. A Hyundai tem uma presença sólida nos centros urbanos, mas precisará expandir para o interior para competir seriamente nesse segmento.

E quanto aos revendedores? Eles estarão preparados para vender picapes? O perfil do vendedor de veículos de passeio é diferente daquele que vende picapes para construtoras, agricultores e empresas de logística. A capacitação da força de vendas será tão importante quanto a qualidade do produto em si.

Com informações do: Quatro Rodas