A Nissan está implementando uma estratégia agressiva de redução de custos que vai desde mudanças em componentes básicos como faróis e bancos até a reestruturação completa de sua cadeia de suprimentos. A montadora japonesa, que enfrenta desafios financeiros significativos, está buscando soluções criativas para tornar seus veículos mais competitivos sem comprometer necessariamente a qualidade percebida pelo consumidor.

Uma equipe dedicada à economia

O que me surpreende é a escala desse esforço: a Nissan reuniu nada menos que 3.000 funcionários especificamente para pensar em maneiras criativas de baratear a produção. Liderados por Tatsuzo Tomita, apelidado de "czar do corte de custos", essa equipe já apresentou cerca de 4.000 ideias à diretoria da empresa. Desse total impressionante, 1.600 propostas serão realmente implementadas.

Tomita explicou à Auto News que a complexidade dos carros da Nissan aumentou dramaticamente nos últimos anos. "Fizemos muitas variações de preço e muitas especificações exclusivas da Nissan. E em cada um dos silos, cada divisão criou seus próprios padrões ou processos e indicadores-chave de desempenho. Agora, neste ambiente em rápida mudança, não fomos capazes de tomar decisões rápidas", confessou o executivo.

Nissan Kicks Sense 2026 - bancos padronizados

Mudanças práticas na linha de produção

Algumas das soluções são surpreendentemente simples, mas com impacto significativo. Tomita citou o exemplo dos encostos de cabeça dos bancos: as peças ficavam armazenadas em um depósito do tamanho de duas quadras de tênis, obrigando os funcionários a dar até 30.000 passos por dia apenas para transportá-las até a linha de montagem.

A solução? Reduzir a variedade de encostos de cabeça across diferentes modelos. Menos peças diferentes significam menos espaço necessário para armazenamento - a área foi reduzida pela metade - e ganhos enormes em eficiência logística.

Nissan Kicks Platinum 2026 - faróis com feixe mais estreito

Revisão de componentes e materiais

Os faróis representam outro exemplo interessante de como a Nissan está repensando seus produtos. Atualmente, os faróis da marca projetam um feixe mais largo do que o exigido por lei - são "bons demais", nas palavras da própria empresa. Ao estreitar ligeiramente o feixe luminoso, a Nissan pode usar componentes mais padronizados de fornecedores externos, reduzindo custos com peças sob medida.

Até os tecidos dos bancos estão sendo reconsiderados. Os corantes atualmente usados são especialmente formulados para resistir à luz solar, mas isso se mostrou redundante: os vidros dos carros já bloqueiam radiação UV. A troca por corantes mais simples, porém adequados, representa economia significativa em escala industrial.

Nissan Leaf - interior com tecidos que terão corante mais simples

Mudanças na cadeia de suprimentos

A estratégia de redução de custos também envolve mudanças mais profundas. A Nissan está considerando trocar alguns de seus fornecedores tradicionais por empresas chinesas que podem oferecer componentes por preços mais competitivos. Além disso, a montadora planeja enviar algumas peças já pré-montadas para suas fábricas, reduzindo custos com logística e tempo de montagem.

É curioso pensar como medidas aparentemente pequenas - como mudar o pigmento de um tecido ou ajustar o feixe de um farol - podem ter impacto cumulativo significativo quando aplicadas em larga escala. Tomita garante que a marca não vai "baratear" seus carros no sentido de reduzir qualidade percebida, mas sim buscar eficiências que não afetem a experiência do cliente.

Todas as mudanças que possam impactar diretamente os consumidores estão sendo revisadas minuciosamente antes da implementação. O desafio, claro, é equilibrar a necessidade urgente de reduzir custos com a manutenção da reputação da marca e da satisfação do cliente.

Impacto nos modelos futuros e no mercado

O que mais me intriga nessa estratégia é como ela se refletirá nos próximos lançamentos da marca. Já circulam informações de que o novo Nissan Kicks, previsto para 2026, será o primeiro a incorporar muitas dessas mudanças. Será interessante observar se os consumidores notarão diferenças significativas ou se as alterações passarão despercebidas, como pretende a montadora.

Algumas fontes internas mencionaram à Reuters que a empresa está reconsiderando até mesmo o número de botões no painel e a complexidade dos sistemas de infotentimento. A pergunta que fica é: até que ponto a simplificação pode ir sem afetar a experiência premium que alguns compradores esperam?

Reação do mercado e concorrentes

Não é só a Nissan que está repensando suas estratégias de custo. Conversas com executivos de outras montadoras revelam que muitas estão observando atentamente essa iniciativa japonesa. Um diretor de uma concorrente europeia, que preferiu não se identificar, comentou: "Todos estamos enfrentando pressões de custo sem precedentes - elétricos, tecnologia autônoma, novos materiais sustentáveis. O que a Nissan está fazendo é corajoso, mas arriscado".

O mercado brasileiro, particularmente sensível a preços, pode ser um termômetro interessante para essas mudanças. Se a Nissan conseguir reduzir significativamente os preços sem perder appeal junto aos consumidores, outras montadoras certamente seguirão o mesmo caminho. Mas e se a percepção de qualidade diminuir? Essa é a aposta que está sendo feita.

Curiosamente, algumas das economias mais significativas não vêm dos componentes mais visíveis. Um engenheiro envolvido no projeto me contou sobre a revisão completa dos sistemas de fixação e parafusos - centenas de tipos diferentes sendo reduzidos a apenas algumas dezenas. Parece trivial, mas o impacto no chão de fábrica é enorme.

Desafios culturais e operacionais

Mudar a mentalidade de uma organização do tamanho da Nissan não é tarefa simples. Tomita admitiu que inicialmente enfrentou resistência de departamentos que há décadas trabalhavam de determinada maneira. "Cada equipe achava que suas especificações únicas eram essenciais para a identidade dos produtos Nissan", explicou.

O processo de convencimento envolveu dados concretos mostrando quanto custava essa "singularidade" desnecessária. Em um caso específico, a equipe de Tomita demonstrou que um componente customizado acrescentava US$ 3,70 ao custo de produção por unidade, enquanto uma peça padronizada de fornecedor externo custava apenas US$ 0,90 com performance equivalente.

Quando você multiplica essa diferença por centenas de milhares de unidades anuais, os números tornam-se irresistíveis até para os engenheiros mais teimosos. Mas será que essa padronização excessiva não poderia homogenizar demais a linha Nissan? É um risco que aparentemente estão dispostos a correr.

Outro aspecto fascinante é como a tecnologia está permitindo essas economias. Softwares de simulação avançada permitem testar virtualmente dezenas de variações de componentes antes de produzir qualquer protótipo físico. Isso reduz drasticamente o tempo e custo de desenvolvimento, permitindo encontrar soluções mais econômicas sem comprometer a segurança ou durabilidade.

O componente humano na equação

Não são apenas números e componentes sendo reconsiderados. A Nissan também está revendo processos de trabalho que datam de décadas. Aqueles 30.000 passos diários que os funcionários davam para transportar encostos de cabeça? Representavam não apenas ineficiência logística, mas também fadiga desnecessária e potencial risco de lesões.

Ao reorganizar o layout da fábrica e reduzir a variedade de peças, a montadora não apenas economiza dinheiro, mas também melhora as condições de trabalho. É um daqueles raros casos onde eficiência operacional e bem-estar dos funcionários andam de mãos dadas.

Mas nem todas as mudanças são tão benignas. A consideração de trocar fornecedores tradicionais por empresas chinesas preocupa alguns analistas. Um consultor do setor automotivo me questionou: "A curto prazo, a economia é evidente. Mas a longo prazo, você não arrisca perder know-how técnico e controle de qualidade?".

A Nissan insiste que manterá padrões rigorosos de qualidade independentemente da origem dos componentes. No entanto, admitem que o processo de qualificação de novos fornecedores está sendo acelerado para implementar as economias o mais rápido possível.

Com informações do: Quatro Rodas