A BYD, fabricante chinesa que recentemente superou a Tesla como maior vendedora de carros elétricos no mundo, continua sua expansão agressiva no Brasil. Poucos dias após inaugurar sua fábrica em Camaçari (BA), a empresa anunciou a criação de um centro de pesquisa e desenvolvimento no Rio de Janeiro, com foco especial em sistemas de direção autônoma e adaptação de tecnologias para o mercado brasileiro.
O projeto e seus objetivos estratégicos
O anúncio foi feito pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), no último sábado (11). O centro de P&D representa um investimento de R$ 29,6 milhões e ocupará uma área de 183,3 mil m² na Avenida Rio de Janeiro, próximo ao Aeroporto do Galeão. O que me surpreende é a velocidade com que a BYD está se estabelecendo no Brasil - parece que eles não estão perdendo tempo.
O projeto tem objetivos claros: fortalecer a presença tecnológica chinesa na indústria automotiva brasileira, adaptar os produtos da BYD às condições locais e reduzir custos logísticos. Mas vai além disso. O centro se concentrará no desenvolvimento de sistemas de direção autônoma, algoritmos de inteligência artificial para navegação e soluções de eficiência energética - incluindo a preparação dos motores para funcionarem com etanol, uma adaptação crucial para o mercado brasileiro.

A influência política e a localização estratégica
Curiosamente, o projeto inicial previa dois centros de P&D, sendo um deles em Salvador (BA), para que os engenheiros ficassem próximos da fábrica em Camaçari. No entanto, Paes conseguiu convencer a BYD a levar o projeto para o Rio de Janeiro. E aqui está um detalhe que muitos podem não saber: o prefeito trabalhou como representante da BYD na América Latina entre 2017 e 2020. Essa conexão prévia certamente facilitou as negociações.
O laboratório contará com uma pista de testes em um terreno do aeroporto, incluindo áreas para testes em terra e até uma piscina para simular situações de alagamento - uma consideração prática importante para as condições urbanas brasileiras. A BYD ainda não forneceu uma previsão concreta sobre quando o centro de pesquisa estará totalmente operacional.

Expansão acelerada no Brasil
Enquanto o centro de pesquisas não é construído, a BYD já iniciou a montagem de carros no Brasil. A operação começou em um galpão provisório em Camaçari com unidades pré-montadas (SKD) dos modelos Dolphin Mini e Song Plus. Esta é apenas a primeira fase de um complexo industrial que representa um investimento total de R$ 5,5 bilhões.
Quando a linha de montagem principal estiver operando, a capacidade produtiva inicial será de 150.000 veículos por ano, com planos de expansão que podem dobrar esse volume. Mas a meta de longo prazo é ainda mais ambiciosa. Segundo Stella Li, CEO da BYD para as Américas, o objetivo é alcançar uma produção anual de 600.000 unidades, o que tornaria a unidade brasileira a maior da empresa fora da China.
A produção em série na fábrica definitiva começará com os modelos Dolphin, Dolphin Mini, Song Plus e Yuan Plus. E em uma segunda etapa, uma picape híbrida inédita será produzida nacionalmente - um movimento estratégico para um segmento tradicionalmente forte no mercado brasileiro.
Paes ainda expressou seu desejo de que a segunda fábrica da BYD no Brasil seja no Rio de Janeiro. Os executivos não comentaram sobre essa possibilidade, e até o momento a empresa não mostrou ter planos para uma segunda unidade fabril, especialmente após estabelecer a meta de produzir 600.000 carros em Camaçari.
O que significa para a indústria automotiva brasileira
Esta movimentação da BYD representa mais do que apenas a chegada de mais uma montadora ao Brasil. Estamos testemunhando uma mudança fundamental no paradigma da indústria automotiva nacional. A ênfase em P&D local, especialmente em tecnologias de ponta como direção autônoma, coloca o Brasil em uma posição interessante no cenário global de mobilidade elétrica.
O que me impressiona é como a BYD está adotando uma estratégia diferente das montadoras tradicionais. Em vez de simplesmente importar tecnologia pronta, eles estão investindo em desenvolver soluções específicas para nossas condições. E isso faz todo o sentido - nossas estradas, nosso clima, nosso uso de biocombustíveis, tudo isso exige adaptações que só podem ser feitas por quem realmente entende o mercado local.
Outro aspecto que merece atenção é o timing. A BYD chega em um momento crucial, quando o governo federal discute políticas para eletromobilidade e as montadoras tradicionais ainda hesitam em investir pesado em veículos elétricos. É quase como se eles estivessem preenchendo um vácuo que ninguém mais quis ocupar.

Os desafios técnicos da direção autônoma no Brasil
Desenvolver sistemas de direção autônoma para o Brasil não será tarefa simples. Nossas condições de trânsito apresentam desafios únicos que não existem nos mercados onde essa tecnologia está sendo desenvolvida. Pense na sinalização irregular, nas ruas mal conservadas, nos pedestres que atravessam fora da faixa - sem mencionar os buracos que aparecem como crateras após uma chuva forte.
O centro de P&D terá que lidar com questões muito específicas. Como os sensores lidam com a poeira das estradas de terra? Como os algoritmos interpretam os gestos dos agentes de trânsito? E a variedade de veículos nas nossas ruas - desde caminhões enormes até motos que se espremem entre os carros? São problemas complexos que exigem soluções brasileiras.
A adaptação para o etanol é outro ponto fascinante. Enquanto a maioria dos fabricantes foca apenas em veículos 100% elétricos, a BYD parece entender que a transição energética no Brasil será híbrida. Desenvolver motores que funcionem bem com etanol pode ser a chave para conquistar consumidores que ainda têm receio de migrar totalmente para a eletricidade.
E não podemos esquecer dos testes em condições de alagamento. Quem mora no Rio de Janeiro sabe como as chuvas de verão podem transformar ruas em rios. Ter uma piscina específica para simular essas situações mostra que a BYD está levando a sério as particularidades do nosso clima tropical.
O impacto no mercado de trabalho e na cadeia produtiva
A criação do centro de P&D deve gerar cerca de 100 empregos diretos altamente qualificados - engenheiros, desenvolvedores, pesquisadores. Mas o efeito indireto pode ser muito maior. Estamos falando da formação de profissionais especializados em tecnologias que serão cruciais para o futuro da mobilidade.
O que me preocupa é se temos mão de obra suficiente qualificada para atender essa demanda. As universidades brasileiras estão preparando engenheiros com conhecimentos em inteligência artificial e sistemas autônomos? Será necessário trazer especialistas do exterior ou investir em programas de capacitação local?
Além disso, a presença da BYD pode estimular o surgimento de uma cadeia de fornecedores locais para componentes de veículos elétricos. Isso seria um avanço significativo, já que atualmente importamos a maior parte desses itens. Imagine se começarmos a produzir baterias, motores elétricos e sistemas eletrônicos aqui mesmo?
O timing da produção da picape híbrida também é estratégico. O mercado de picapes é tradicionalmente forte no Brasil, dominado por modelos a diesel. Uma picape híbrida da BYD poderia conquistar um público que ainda resiste aos veículos 100% elétricos, servindo como uma ponte para a eletrificação total.
Enquanto isso, a operação provisória em Camaçari já está mostrando resultados. Os primeiros veículos montados no Brasil começaram a chegar às concessionárias, e o feedback inicial dos consumidores parece positivo. A qualidade da montagem local está sendo comparada com a dos veículos importados, e até agora as avaliações são favoráveis.
Com informações do: Quatro Rodas