O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de sancionar uma legislação histórica que promete transformar a experiência digital de crianças e adolescentes no Brasil. O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, Lei 15.211 publicada em 18 de setembro de 2025, estabelece regras rigorosas para proteger menores de 18 anos no ambiente virtual - e uma das medidas mais impactantes atinge diretamente a indústria de games.

loot box proibido

O que muda nos jogos eletrônicos

O artigo 20 do capítulo VII da nova lei é bastante claro: "são vedadas as caixas de recompensa (loot boxes) oferecidas em jogos eletrônicos direcionados a crianças e a adolescentes ou de acesso provável por eles". Na prática, isso significa que qualquer jogo com classificação inferior a 18 anos que inclua esse mecanismo terá até março de 2026 para se adaptar.

E o impacto é considerável. Jogos de esportes com pacotes de jogadores, shooters com caixas de itens cosméticos e títulos mobile que utilizam roletas e recompensas pagas aleatórias terão que repensar completamente seus modelos de negócio. As desenvolvedoras enfrentam um dilema: ou removem as loot boxes ou implementam sistemas robustos de verificação de idade que realmente funcionem.

O que me surpreende é como essa discussão já deveria estar mais avançada. Loot boxes funcionam basicamente como caça-níqueis digitais, e é preocupante pensar quantos jovens já gastaram dinheiro real nessa espécie de aposta disfarçada.

Proteção além das loot boxes

A legislação vai muito além da proibição das caixas de recompensa. Ela exige que plataformas de jogos que permitem interação entre adolescentes implementem sistemas eficazes de denúncia e revisão de conteúdo. Mensagens de texto, áudio ou vídeo terão limitações padrão até que os responsáveis legais autorizem explicitamente.

As ferramentas de supervisão parental se tornam obrigatórias, permitindo que adultos:

  • Controlem compras dentro dos jogos

  • Definam regras de privacidade

  • Bloqueiem contatos não autorizados

  • Configurem limites de tempo de uso

E aqui está um ponto crucial: a verificação de idade não pode ser feita apenas por autodeclaração. As empresas precisam adotar métodos confiáveis e repetir essa verificação a cada acesso. Isso representa um desafio técnico significativo, mas também uma oportunidade para desenvolver soluções mais seguras.

Contexto global e consequências

O Brasil não está sozinho nessa discussão. Em 2018, a Bélgica já havia declarado as loot boxes ilegais, embora a fiscalização tenha apresentado falhas. A Holanda também debateu propostas similares. O que diferencia a medida brasileira é seu escopo mais amplo e o estabelecimento de uma autoridade administrativa autônoma para fiscalizar e aplicar penalidades.

As sanções previstas são duras: desde advertências até multas de até 10% do faturamento de grupos econômicos, passando por suspensão temporária ou mesmo proibição de funcionamento no Brasil. Essa é uma mensagem clara para as grandes empresas de tecnologia.

O timing dessa legislação não é aleatório. Ela se conecta a outras iniciativas do governo federal, como a proibição de trabalho infantil sem autorização no Facebook e Instagram e a proposta de limitar redes sociais para menores de 16 anos.

Enquanto isso, plataformas como o YouTube já estão usando inteligência artificial para identificar usuários menores de 18 anos, mostrando que a pressão regulatória está gerando mudanças concretas no mercado.

Fontes: Senado Federal | Eurogamer

Os desafios práticos da implementação

Agora vem a parte complicada: como as empresas vão implementar essas mudanças na prática? A lei estabelece um prazo até março de 2026, mas adaptar sistemas complexos de jogos online não é algo que acontece da noite para o dia. Muitos títulos terão que reprojetar completamente suas economias internas - e isso me faz pensar no impacto que terá nos jogadores que já investiram tempo e dinheiro nesses sistemas.

Imagine um jogo de futebol popular onde os jogadores compram pacotes com atletas aleatórios. Remover as loot boxes significa criar um sistema alternativo de aquisição que seja transparente e previsível. Será que veremos mais opções de compra direta? Ou talvez sistemas de conquista baseados em desempenho? A criatividade das desenvolvedoras será testada como nunca.

E quanto aos jogos que já estão no mercado? Aqueles com classificação livre mas que incluem mecanismos de loot box terão que ser reclassificados ou modificados. O que acontece com os milhões de usuários que já têm esses jogos instalados? As atualizações obrigatórias podem gerar conflitos com versões anteriores, criando uma verdadeira dor de cabeça técnica.

O debate sobre a efetividade das verificações de idade

Um dos pontos que mais me preocupa é a exigência de verificação de idade robusta. Atualmente, a maioria dos sistemas de autodeclaração é facilmente burlável - qualquer criança pode mentir sobre sua idade com alguns cliques. A lei exige métodos confiáveis, mas o que isso significa na prática?

Algumas possibilidades incluem verificação por documentos oficiais, reconhecimento facial ou até mesmo integração com sistemas governamentais. Mas cada uma dessas soluções traz seus próprios problemas: privacidade de dados, custos de implementação e acessibilidade para populações com menos recursos tecnológicos.

E tem outra questão: como ficam os jogos gratuitos? Títulos como Fortnite e Roblox, extremamente populares entre adolescentes, dependem de microtransações. Se a verificação de idade se tornar muito complexa ou cara, será que algumas empresas simplesmente decidirão bloquear o acesso de usuários brasileiros? É um risco real que pode deixar muitos jovens sem acesso a seus jogos favoritos.

Curiosamente, essa discussão me lembra quando a Europa implementou o GDPR - inicialmente houve muito alvoroço sobre como seria impossível se adaptar, mas as empresas encontraram soluções. A diferença é que aqui estamos falando de proteger crianças, o que torna as exigências ainda mais importantes.

O impacto econômico na indústria nacional

Não podemos ignorar como essa legislação afetará os estúdios brasileiros de games. Enquanto as gigantes internacionais têm recursos para se adaptar, noss desenvolvedoras locais podem enfrentar desafios financeiros significativos. Muitos jogos mobile brasileiros utilizam loot boxes como parte fundamental de seu modelo de monetização.

Por outro lado, essa pode ser uma oportunidade para inovação. Estúdios que conseguirem criar sistemas alternativos de monetização mais éticos podem ganhar vantagem competitiva. Já imagino surgirem modelos baseados em assinaturas transparentes, conteúdo sazonal ou microtransações diretas sem elementos aleatórios.

O governo federal mencionou que está desenvolvendo programas de apoio à adaptação, mas os detalhes ainda são escassos. Será fundamental oferecer suporte técnico e financeiro para evitar que a indústria nacional seja prejudicada desproporcionalmente.

Aliás, você sabia que o Brasil tem mais de 1.000 estúdios de games espalhados por todo o país? Muitos são pequenas empresas com poucos funcionários. Para elas, reprogramar sistemas complexos pode significar meses de trabalho não planejado - tempo e dinheiro que simplesmente não têm sobrando.

As reações da comunidade gamer

Nas redes sociais e fóruns especializados, as opiniões estão divididas de maneira interessante. De um lado, pais e educadores comemoram a medida como uma vitória importante para a proteção infantil. Do outro, jogadores mais experientes expressam preocupação com possíveis aumentos de preços ou redução de conteúdo gratuito.

Algo que me chamou atenção foi o argumento de que as loot boxes, quando bem implementadas, podem adicionar emoção aos jogos. Mas será que não existem alternativas igualmente envolventes que não explorem mecanismos de azar? Lembro-me de jogos como Hollow Knight ou Stardew Valley, que conseguem ser profundamente gratificantes sem recorrer a sistemas predatórios.

O que mais me surpreendeu foi ver como essa discussão vai além dos games. Especialistas em direito digital estão debatendo se mecanismos similares em redes sociais - como os "presentes" aleatórios em apps de dating - também deveriam ser regulados. Parece que abrimos uma caixa de Pandora regulatória, no bom sentido.

E você, o que acha? Será que outras indústrias digitais deveriam seguir o mesmo caminho? Às vezes me pego pensando se não estamos diante de uma mudança de paradigma muito maior do que aparenta.

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Com informações do: Adrenaline