A transição para veículos elétricos não será tão linear quanto muitos imaginavam. Enquanto algumas montadoras anunciam prazos ambiciosos para abandonar completamente os motores a combustão, a BMW adota uma postura mais pragmática que pode surpreender os entusiastas da eletrificação.

BMW iX3 2026

Uma estratégia de três frentes

A BMW está implementando o que chama de "estratégia de arquiteturas múltiplas", que basicamente significa não colocar todos os ovos na mesma cesta. A Neue Klasse, plataforma dedicada aos elétricos, receberá bilhões em investimentos, mas coexistirá com outras duas abordagens.

Para modelos de entrada, a marca manterá plataformas tradicionais a combustão, reconhecendo que nem todos os mercados - ou bolsos - estão preparados para a transição elétrica. Já para os SUVs maiores, a solução é ainda mais flexível: uma arquitetura capaz de receber desde motores puramente a combustão até híbridos plug-in e versões totalmente elétricas.

Na minha experiência acompanhando o setor automotivo, essa abordagem faz todo o sentido considerando as realidades tão distintas entre Europa, América do Norte e mercados emergentes. O que funciona na Alemanha pode ser inviável no Brasil, por exemplo.

Os desafios práticos da eletrificação

Os altos custos das baterias continuam sendo um obstáculo significativo. E não é só isso - a demanda por veículos elétricos tem mostrado flutuações imprevisíveis, enquanto regulamentações ambientais ainda estão em debate em vários países.

BMW X3 30 xDrive M Sport

Oliver Zipse, CEO da BMW, tem sido vocal em suas críticas à rigidez das metas europeias para 2035. Ele argumenta, com certa razão, que simplesmente proibir motores a combustão não considera o impacto ambiental completo - incluindo a produção de baterias e a fonte de energia elétrica utilizada para carregá-las.

É interessante notar que outras marcas premium como Porsche e Mercedes-Benz também estão revisando seus planos de eletrificação. Parece que o setor está descobrindo que a transição é mais complexa do que se imaginava inicialmente.

O mercado dita o ritmo

A realidade é que os consumidores ainda têm demandas muito diversas. Enquanto alguns mercados abraçam rapidamente os elétricos, outros demonstram resistência devido a preocupações com autonomia, infraestrutura de carregamento ou simples preferência pelo tradicional motor a combustão.

Audi, Porsche e Bentley são exemplos de outras marcas que recentemente anunciaram a manutenção de linhas a combustão em seus planos futuros. Essa mudança de rumo coletiva sugere que as montadoras estão ouvindo mais atentamente o que o mercado - e não apenas os reguladores - está dizendo.

A pergunta que fica é: será que estamos testemunhando um ajuste realista de expectativas ou simplesmente um adiamento inevitável do futuro elétrico? A BMW parece acreditar que a coexistência de tecnologias será a norma por bem mais tempo do que os mais otimistas previam.

O que isso significa para os consumidores brasileiros?

Para nós, no Brasil, essa estratégia da BMW traz implicações bastante práticas. Enquanto países europeus avançam rapidamente na infraestrutura de carregamento, aqui ainda enfrentamos desafios significativos - desde a distribuição desigual de eletropostos até a instabilidade energética em algumas regiões.

E não podemos ignorar o fator preço. Um BMW elétrico de entrada hoje custa praticamente o dobro de um modelo similar a combustão. Considerando nossa realidade econômica, faz sentido que a marca mantenha opções mais acessíveis enquanto a tecnologia não se populariza.

Aliás, você já parou para pensar como seria ter um carro elétrico se você mora em um apartamento sem vaga com tomada? Ou se faz viagens frequentes para o interior, onde postos de carregamento são raros? São questões cotidianas que muitas análises técnicas simplesmente ignoram.

A tecnologia híbrida como ponte necessária

Os híbridos plug-in parecem ser a grande aposta da BMW para este período de transição. E, francamente, faz todo o sentido. Esses veículos oferecem a eficiência elétrica para deslocamentos urbanos, mas mantêm a segurança do motor a combustão para viagens mais longas.

Recentemente, tive a oportunidade de dirigir um BMW X5 xDrive45e por uma semana. Confesso que fiquei impressionado com como o sistema consegue alternar entre os modos de forma inteligente. Na cidade, praticamente não usei gasolina. Já na estrada, o motor a combustão entrou em ação sem que eu percebesse a transição.

Mas será que os híbridos são realmente a solução ideal? Alguns críticos argumentam que eles representam o "pior dos dois mundos" - carregam o peso e complexidade de dois sistemas de propulsão. Na prática, porém, para quem não está pronto para mergulhar de cabeça no mundo elétrico, eles oferecem uma experiência bastante equilibrada.

O fator emocional que as montadoras não podem ignorar

Há algo que muitas análises técnicas esquecem: a relação emocional que as pessoas têm com seus carros. Um motor a combustão não é apenas uma máquina - é uma experiência sensorial. O ronco característico de um BMW M, a resposta instantânea do acelerador, até mesmo o cheiro de gasolina para alguns entusiastas.

As montadoras estão descobrindo que simplesmente replicar a performance dos motores a combustão em elétricos não basta. É preciso criar uma nova experiência emocional - e isso leva tempo. Enquanto isso, faz sentido comercial manter opções que atendam a diferentes perfis de consumidores.

Particularmente, acho fascinante como a BMW está tentando transferir essa "alma" para seus elétricos. O novo i4 M50, por exemplo, tem um sistema de som que simula o ronco de um motor a combustão. Alguns puristas torcem o nariz, mas é uma tentativa interessante de manter a identidade da marca na era elétrica.

O impacto nas redes de concessionárias e mecânicos

Outro aspecto pouco discutido é como essa transição afetará toda a cadeia automotiva. Concessionárias precisam investir em nova infraestrutura para atender veículos elétricos, enquanto mecânicos tradicionais enfrentam o desafio de se requalificar.

No Brasil, onde o mercado de oficinas especializadas em BMW é bastante consolidado, essa mudança representa tanto uma ameaça quanto uma oportunidade. Oficinas que se adaptarem rapidamente às novas tecnologias podem ganhar espaço, enquanto as mais tradicionais podem perder relevância.

E não são apenas as oficinas - toda a indústria de autopeças será impactada. Peças como velas, filtros de combustível e sistemas de escapamento terão demanda reduzida, enquanto componentes eletrônicos e sistemas de bateria ganharão importância.

Essa transformação gradual permite que todos os envolvidos na cadeia automotiva se adaptem no seu próprio ritmo. Uma transição muito brusca poderia causar rupturas significativas no mercado.

Com informações do: Quatro Rodas