A Bentley, sinônimo de luxo automotivo britânico, está recalculando sua rota rumo à eletrificação. Em uma mudança significativa de planos, a marca anunciou que não será totalmente elétrica até 2035 como previsto anteriormente. Em vez disso, seguirá com uma abordagem híbrida que mantém motores a combustão ao lado de versões eletrificadas em sua linha de produtos.

O contexto do Grupo Volkswagen
Esta decisão não surge do vácuo. A Bentley faz parte do Grupo Volkswagen, onde outras marcas premium como Porsche e Audi já haviam sinalizado uma desaceleração na transição completa para veículos elétricos. Frank-Steffen Walliser, diretor executivo da Bentley, explicou em entrevista à Autocar que a interdependência tecnológica dentro do grupo forçou uma reavaliação conjunta das estratégias.
O que isso significa na prática? Bem, a próxima geração dos modelos icônicos da Bentley - Bentayga, Continental GT e Flying Spur - não será lançada apenas com versões elétricas ou híbridas plug-in como se imaginava. Eles também terão opções convencionais a combustão, algo que há dois anos parecia impensável para a marca.

Demanda do mercado e realidade econômica
Walliser foi bastante transparente sobre os motivos por trás dessa mudança: "Há uma queda na procura por veículos elétricos de luxo, e a procura dos clientes ainda não é forte o suficiente para sustentar uma estratégia totalmente elétrica". Ele destacou que mercados como Oriente Médio e América do Norte continuam com alta demanda por veículos a combustão, especialmente no segmento de luxo.
É interessante observar como o cenário mudou radicalmente. Quando a Bentley anunciou seu plano Beyond100 em 2020, o entusiasmo com os elétricos estava no auge. Agora, com a realidade dos custos, infraestrutura de carregamento ainda em desenvolvimento e, francamente, a relutância de alguns consumidores de alto padrão em abrir mão dos motores tradicionais, a marca precisa ser mais pragmática.
Investimentos e planos futuros
Apesar da mudança de rumo, a Bentley não está abandonando a eletrificação. A partir de 2026, a marca pretende lançar um novo modelo eletrificado por ano - seja híbrido plug-in ou totalmente elétrico. O primeiro será um SUV atualmente em desenvolvimento.
Os investimentos na fábrica de Crewe, na Inglaterra, continuam a todo vapor. A unidade está recebendo uma nova linha de montagem dedicada a veículos elétricos, modernização completa na oficina de pintura e um centro de design inédito. Na minha opinião, isso mostra que a marca está preparando o terreno para quando o mercado realmente demandar mais elétricos, mas sem queimar etapas economicamente inviáveis.

Vale lembrar que esta já é a segunda vez que a Bentley adia sua meta de eletrificação total. Originalmente estabelecida para 2030, depois prorrogada para 2035, e agora essencialmente postergada sem uma data definitiva. Essa trajetória revela muito sobre os desafios que toda a indústria automotiva de luxo enfrenta na transição energética.
O que me surpreende é como mesmo uma marca com o poder aquisitivo de seus clientes precisa se adaptar às realidades de mercado. Se a Bentley, que vende carros por centenas de milhares de dólares, precisa repensar sua estratégia elétrica, o que isso diz sobre o ritmo real dessa transição no setor automotivo como um todo?
O impacto nas plataformas compartilhadas
Um aspecto pouco comentado, mas crucial, é como essa decisão afeta o desenvolvimento das plataformas que a Bentley compartilha com outras marcas do grupo. O próximo Continental GT e Porsche Panamera, por exemplo, são desenvolvidos em conjunto. Se a Porsche está desacelerando sua transição elétrica, faz todo sentido que a Bentley faça o mesmo para otimizar custos de desenvolvimento.
E não são apenas plataformas - os próprios motores a combustão continuarão evoluindo. Walliser mencionou que a marca está trabalhando em melhorias significativas para os propulsores W12 e V8, incluindo compatibilidade com combustíveis sintéticos. Isso me faz pensar: será que os motores tradicionais de luxo têm mais vida útil do que imaginávamos?

A perspectiva dos clientes de luxo
Conversando com proprietários de Bentley em eventos automotivos, percebo uma certa... resistência silenciosa em relação aos elétricos puros. Muitos valorizam não apenas o desempenho, mas a teatralidade dos motores a combustão - o ronco característico, a sensação mecânica, até mesmo o ritual de abastecer em postos exclusivos. São experiências que os elétricos, por mais eficientes que sejam, ainda não replicam satisfatoriamente.
E tem outro fator: a infraestrutura de carregamento em destinos frequentados por essa clientela. Imagine levar seu Bentley elétrico para um fim de semana num resort remoto ou numa propriedade rural - a disponibilidade de carregadores ultrarrápidos ainda é bastante limitada fora dos grandes centros urbanos. É uma preocupação real para quem usa o carro para viagens longas.
Não me surpreende que a Bentley tenha encomendado pesquisas específicas com seus clientes antes de tomar essa decisão. Afinal, estamos falando de um público que não compra por necessidade, mas por desejo - e entender esses desejos é fundamental.
O cenário regulatório em transformação
Também não podemos ignorar as mudanças no ambiente regulatório global. A União Europeia recentemente suavizou algumas de suas metas de eliminação de motores a combustão, e os Estados Unidos ampliaram os prazos para certas exigências ambientais. Essas flexibilizações dão respiro para marcas como a Bentley continuarem oferecendo opções tradicionais por mais tempo.
Mas aqui surge uma questão interessante: como conciliar essa estratégia com as metas de sustentabilidade que a própria Bentley estabeleceu? A marca havia se comprometido com a neutralidade de carbono em suas operações até 2030. Será que manter motores a combustão não compromete esses objetivos?
Walliser abordou esse ponto, mencionando que a marca está investindo pesadamente em combustíveis sustentáveis e compensação de carbono. "Nossos clientes esperam que sejamos responsáveis ambientalmente, mas também querem a liberdade de escolha", explicou. É um equilíbrio delicado, sem dúvida.

O que mais me chama atenção nessa história toda é como a Bentley está essencialmente admitindo que a transição elétrica não será linear nem uniforme across diferentes segmentos. Enquanto marcas voltadas para o mercado massificado podem avançar mais rapidamente, o luxo parece exigir um caminho próprio - mais gradual e adaptado às particularidades de seu público.
E você, o que acha? As marcas de luxo deveriam liderar a transição elétrica ou têm o direito de seguir um ritmo diferente? É uma discussão que vai muito além da Bentley, tocando em questões sobre o papel do luxo numa sociedade cada vez mais consciente ambientalmente.
Agora fico imaginando como essa decisão vai influenciar outros players do segmento. A Rolls-Royce, que pertence ao Grupo BMW, já anunciou seu primeiro modelo totalmente elétrico, o Spectre. Mas será que vão revisar seus planos diante do movimento da Bentley? E a Aston Martin, que recentemente firmou parceria com a Lucid para desenvolver sua plataforma elétrica?
O que parece claro é que 2024 marca um ponto de virada na estratégia de eletrificação do setor automotivo de luxo. As apostas altíssimas feitas há alguns anos estão sendo recalibradas conforme a realidade do mercado se impõe. E talvez o mais importante: os consumidores finais, especialmente nesse segmento, ainda têm uma voz significativa no processo.
Com informações do: Quatro Rodas