O mercado de carros elétricos está em constante evolução, e as montadoras japonesas, tradicionalmente mais cautelosas nessa transição, começam a mostrar suas cartas. O Toyota bZ4X, um SUV 100% elétrico que já circula na Europa, surge como um candidato potencial para o mercado brasileiro. Mas, afinal, o que esse modelo traz de novo? E mais importante: ele está à altura dos concorrentes e das expectativas de um público que, cada vez mais, considera a eletrificação?

TOYOTA bZ4X

Design e Espaço: Evolução com Peculiaridades

Baseado na plataforma elétrica e-TNGA, compartilhada com o Lexus RZ e o Subaru Solterra, o bZ4X recebeu um visual mais esportivo e uma aerodinâmica aprimorada. O coeficiente de arrasto caiu para 0.27, um número mais aceitável para um veículo elétrico, onde cada detalhe conta para a autonomia. A linguagem de design, cheia de arestas, é familiar aos fãs da marca.

O grande trunfo aqui, no entanto, está no interior. Com uma distância entre-eixos generosa de 2.85 metros – maior até que a do RAV4 –, o espaço para os passageiros traseiros é realmente impressionante. Quem senta no meio do banco de trás agradece a quase ausência do túnel central, substituído por uma pequena elevação de apenas 2 cm. É um alívio para as pernas que você não encontra em muitos carros.

Mas nem tudo são flores. O porta-malas de 452 litros fica aquém de rivais como o Mustang Mach-E e o VW ID.4. E, em uma decisão no mínimo curiosa para um carro moderno, não há um porta-luvas. Sim, você leu certo. A Toyota optou por um console central rebaixado em 10 cm – uma melhoria bem-vinda em relação ao modelo anterior, que aprisionava o motorista – mas simplesmente eliminou o compartimento tradicional. Dá para colocar dois celulares para carregamento sem fio, mas guardar documentos ou um guarda-chuva? Aí a história é outra.

Console rebaixado em 10 cm melhorou o conforto do motorista, mas porta-luvas ainda faz falta

Performance, Tecnologia e a Questão dos Materiais

Sob o capô (ou melhor, sob o piso), as novidades são técnicas. A Toyota introduziu motores com inversores de carboneto de silício, que prometem maior eficiência. A potência foi aumentada, oferecendo versões com tração dianteira (224 cv) e integral (343 cv, tornando-o o Toyota de série mais potente na Europa). A aceleração de 0 a 100 km/h em 7.4 segundos na versão dianteira é suficiente para o dia a dia, mas a velocidade máxima é limitada eletronicamente a 160 km/h – uma escolha que prioriza a autonomia.

A dirigibilidade é um ponto positivo. A suspensão é confortável e o pequeno volante torna a condução mais envolvente. A frenagem, um calcanhar de Aquiles em muitos elétricos, é elogiada por sua progressividade. E a herança da Toyota em colaboração com a Subaru se faz presente no "Modo X", um sistema para terrenos com baixa aderência. Pressionar um botão por cinco segundos desativa os controles de estabilidade e tração, permitindo... digamos, "divertimentos" controlados em superfícies escorregadias.

No entanto, ao entrar no carro, há uma sensação que persiste. A qualidade dos materiais. Muitas superfícies, mesmo as de contato frequente, são de plástico duro. É um defeito comum em vários elétricos, onde o custo da bateria ainda consome grande parte do orçamento, mas que se torna mais perceptível em um veículo que deve custar caro. Os bancos, embora com revestimento agradável, são criticados por serem curtos e com apoio lateral reduzido.

Modelo tem bom espaço interno, até mesmo para passageiros que estão no meio do banco traseiro; porta-malas é de 452 litros

Bateria, Recarga e a Possibilidade Brasileira

Para o mercado europeu, o bZ4X ganhará duas opções de bateria: 57.7 kWh e 73.1 kWh. A autonomia anunciada chega a 569 km para a versão maior. Na recarga, uma boa notícia: versões de médio para cima terão suporte a carregamento AC de 22 kW, reduzindo pela metade o tempo para uma carga completa em um wallbox potente. Já no carregamento rápido DC, a potência máxima permanece em 150 kW, um número que já começa a ficar para trás frente a concorrentes que oferecem 250 kW ou mais.

E o Brasil? A Toyota é oficialmente cautelosa, afirmando que "não descarta trazer a tecnologia 100% elétrica em algum momento". O sinal mais claro veio com a chegada do Lexus RZ 500e, o primeiro elétrico do grupo Toyota no país. Especialistas do setor veem nisso uma abertura de caminho, e rumores apontam que o bZ4X poderia desembarcar por aqui ainda em 2026.

Se isso acontecer, ele encontrará um mercado em ebulição, com chineses agressivos e europeus estabelecidos. O bZ4X tem pontos fortes inegáveis, como o espaço interno e a confiabilidade da marca, mas também carrega algumas esquisitices de projeto e uma sensação de que ainda não atingiu a maturidade dos híbridos da Toyota. Será que o consumidor brasileiro, cada vez mais exigente com tecnologia e acabamento, vai perdoar a falta de um porta-luvas em troca de um espaço traseiro excepcional? A resposta, como o próprio carro, ainda está por vir.

Com carroceria cheia de arestas, segue linguagem de design atual da marca japonesa

Mas vamos além das especificações técnicas. Dirigir o bZ4X no dia a dia revela nuances que as fichas não contam. A sensação de isolamento acústico é boa, mas não excepcional – o ruído do vento em velocidades de estrada é um pouco mais presente do que em alguns rivais alemães. E aquele volante pequeno, que inicialmente parece um charme, pode ser um ponto de discórdia. Para alguns, torna a condução mais ágil, quase como um kart. Para outros, especialmente em longas viagens, a falta de um volante tradicional com ajuste de alcance pode cansar.

E o infotainment? A tela de 12.3 polegadas é nítida e responsiva, mas o sistema multimídia, desenvolvido em parceria com a Toyota e que equipa outros modelos do grupo, ainda peca em alguns detalhes. A integração com smartphones via Apple CarPlay e Android Auto é sem fio, o que é ótimo, mas a interface nativa para configurar o carro – coisas como o modo de recuperação de energia, o clima e os perfis de direção – não é a mais intuitiva do mercado. Você acaba se acostumando, mas a primeira impressão é de que há muitos menus aninhados.

O Dilema do Preço e do Posicionamento

Aqui reside, talvez, o maior desafio para o bZ4X, especialmente se ele chegar ao Brasil. Onde ele se encaixa? Ele não é um SUV elétrico de luxo, como o Audi Q8 e-tron ou o Mercedes-Benz EQC. Mas também não se propõe a ser um modelo popular acessível. Ele ocupa um terreno intermediário, disputando com o Volkswagen ID.4, o Ford Mustang Mach-E e, cada vez mais, com uma enxurrada de modelos chineses como o BYD Tang e o Caoa Chery iCar 03.

O problema é que nesse segmento intermediário, os consumidores são extremamente sensíveis à relação custo-benefício. Eles querem espaço, sim, mas também querem tecnologia de ponta, materiais de qualidade e, claro, uma autonomia que não gere ansiedade. O bZ4X entrega no espaço e na promessa de confiabilidade Toyota – um trunfo enorme, diga-se de passagem. Mas será que isso basta para justificar um preço que, na Europa, o coloca na faixa dos carros premium?

Imagine o cenário brasileiro. Se o Lexus RZ 500e já custa cerca de R$ 500 mil, um Toyota bZ4X provavelmente entraria na casa dos R$ 350 a R$ 400 mil. Por esse valor, o comprador vai comparar. Vai olhar para o porta-malas menor, vai tocar nos plásticos do painel, vai estranhar a falta do porta-luvas e vai se perguntar: "O que esse carro me oferece que um concorrente, talvez até mais barato, não oferece?" A resposta da Toyota tem sido a durabilidade e a rede de assistência. Mas no mundo dos elétricos, onde a tecnologia avança a passos largos, isso ainda é um argumento decisivo?

Lições do Mercado Global e o Futuro da Linha bZ

O bZ4X não é um caso isolado. Ele é a primeira pedra de uma linha inteira de veículos elétricos que a Toyota planeja sob a sub-marca "bZ" (Beyond Zero). Já temos notícias do bZ3, um sedã, e de outros SUVs menores. A experiência com este primeiro modelo está servindo de laboratório. Algumas das críticas recebidas – como a qualidade dos materiais e algumas esquisitices ergonômicas – são chances de aprendizado para os próximos.

Em mercados como o europeu, onde a concorrência é feroz, o bZ4X tem tido uma recepção morna. Vende, mas não é um fenômeno. Isso pode pressionar a Toyota a ser mais agressiva em atualizações ou no lançamento de versões mais equipadas. A recente atualização para 2025, que trouxe o console rebaixado e os novos motores, mostra que a marca está ouvindo o feedback.

Para o Brasil, essa trajetória global é um sinal importante. Se o carro chegar, provavelmente será uma versão já atualizada, talvez até com algum pacote especial para o mercado local. A grande aposta da Toyota, no entanto, pode não estar apenas no produto em si, mas no ecossistema. A montadora tem investido pesado em baterias de estado sólido, uma tecnologia que promete revolucionar a autonomia e o tempo de recarga. É possível que o Brasil receba o bZ4X apenas quando essa nova geração de baterias estiver pronta, posicionando-o como um carro verdadeiramente de próxima geração desde o início.

Enquanto isso, a pergunta que fica é sobre a estratégia. A Toyota construiu seu império com os híbridos, e o sucesso do Corolla Cross Hybrid aqui no Brasil é prova disso. O bZ4X representa um salto mais ousado para o mundo 100% elétrico. É um salto necessário, mas ainda um pouco hesitante. Dirigindo o carro, você tem a nítida impressão de que os engenheiros queriam fazer um Toyota confiável e espaçoso que, por acaso, é elétrico. Não um carro elétrico radical que redefine a categoria.

E talvez essa seja, no fim das contas, a sua maior força e sua maior fraqueza. Para o consumidor tradicional da marca, que valoriza a durabilidade acima de tudo, pode ser o elétrico perfeito: familiar, previsível, seguro. Para o early adopter, aquele que busca a última palavra em tecnologia e performance pura, ele pode parecer um passo atrás. O mercado brasileiro, nesse momento de transição, terá dos dois tipos. Resta saber qual voz será mais alta na hora de abrir a carteira.

Com informações do: Quatro Rodas