A franquia Tomb Raider está em um momento fascinante. Com o anúncio de dois novos títulos em desenvolvimento, uma pergunta começou a ecoar entre os fãs mais dedicados: como a Crystal Dynamics e a Amazon Games vão lidar com a bagunça cronológica que se formou ao longo de décadas de aventuras de Lara Croft? A linha do tempo da heroína arqueóloga é, para ser gentil, um pouco... complicada. E agora, com novos capítulos a caminho, a possibilidade de um retcon — aquela revisão de eventos passados — parece mais real do que nunca.
Não é segredo para ninguém. A discussão sobre a cronologia de Tomb Raider é antiga. Você tem os clássicos dos anos 90, os reboots da era Legend/Underworld, e a trilogia de origem mais recente (2013, Rise, Shadow). O problema? Essas histórias nem sempre conversam entre si de forma harmoniosa. Personagens aparecem e desaparecem, motivações mudam, e a própria personalidade de Lara parece oscilar dependendo da década. Alguns fãs argumentam, com razão, que certos eventos simplesmente não se encaixam, criando contradições que quebram a imersão.
O quebra-cabeça cronológico de Lara Croft
Vamos pensar um pouco. A Lara do reboot de 2013 é uma jovem inexperiente, sobrevivendo a seu primeiro grande trauma. Já a Lara de Tomb Raider II (1997) é uma aventureira confiante, quase super-heroína. Conciliar essas duas versões numa única linha narrativa coerente é um desafio hercúleo. A própria Crystal Dynamics já tentou unificar tudo com a linha da "Experiência Unificada", mas as lacunas e inconsistências persistem.
E é aí que entra a especulação sobre os novos jogos. Seriam eles uma oportunidade de ouro para costurar essas narrivas desconexas? Muitos na comunidade acreditam que sim. A possibilidade de um soft reboot — que respeita o cânone mas ajusta pontos específicos — ou até de um novo marco que recontextualize as aventuras passadas está gerando um debate animado. Afinal, ninguém quer que os novos títulos fiquem presos a contradições do passado.
Oportunidade ou risco? O delicado equilíbrio do retcon
Mexer na história estabelecida de uma franquia tão querida é sempre um terreno minado. Por um lado, um ajuste bem feito pode revitalizar o universo, oferecendo uma base sólida para histórias futuras. Pode explicar, por exemplo, como a Lara adquiriu certas habilidades entre um jogo e outro, ou reconciliar versões diferentes de um mesmo evento. A narrativa ganha clareza e os desenvolvedores ganham liberdade criativa.
Mas, por outro lado, há um risco enorme. Retcons mal executados podem alienar o público fiel, que tem carinho pelas histórias originais. Lembra daquela sensação ruim quando sua série favorita muda uma regra fundamental do universo no meio da temporada? É exatamente isso. O desafio para os escritores será honrar o legado dos jogos anteriores enquanto limpam o caminho para o futuro. Não é uma tarefa fácil.
Na minha experiência acompanhando franquias de longa data, vejo que o sucesso está nos detalhes. Pequenos ajustes, feitos com cuidado e respeito pelo material fonte, costumam ser melhor recebidos do que reviravoltas radicais. Talvez a solução para Tomb Raider não seja apagar nada, mas sim criar pontes narrativas mais inteligentes entre as eras. Quem sabe os novos jogos não funcionem justamente como esse elo perdido, conectando os pontos de uma forma que ainda não imaginamos?
Enquanto aguardamos mais notícias, a discussão continua fervilhando. A única certeza é que o próximo capítulo de Lara Croft não será apenas mais uma aventura — será uma declaração sobre o futuro de toda a sua história.
E pensar que tudo isso começou com um simples teaser e um logo. A revelação dos dois projetos em desenvolvimento foi como jogar uma pedra num lago já cheio de teorias. Agora, as ondas se espalham. Um dos títulos, supostamente um jogo AAA em Unreal Engine 5, parece ser o grande foco. O outro, descrito como uma "experiência mais compacta", pode ser justamente o espaço perfeito para esse trabalho de costura narrativa. Seria muito arriscado tentar reescrever pedaços da história no título principal, mas um jogo menor, talvez focado em um período específico ou em um personagem secundário, poderia funcionar como uma chave mestra cronológica.
Mas o que, exatamente, precisaria ser ajustado? Os fãs já têm suas listas. A relação de Lara com sua família, particularmente com seus pais, varia drasticamente entre as trilogias. Nos clássicos, a motivação é mais pura aventura e fama. No reboot, é um trauma profundo e uma busca por respostas. E aí temos personagens como Winston, o mordomo fiel que some e reaparece sem muita explicação, ou a própria natureza dos artefatos que Lara busca – são relíquias mitológicas, tecnologia ancestral ou um pouco dos dois? Essas inconsistências de tom e lore são o verdadeiro calcanhar de Aquiles da continuidade.
Lições de Outras Franquias: O Que Pode Dar Certo (e Errado)
Não seria a primeira vez que uma grande série de jogos encara esse dilema. Olhe para God of War (2018). A Sony Santa Monica não ignorou os jogos gregos; eles os recontextualizaram como um passado distante e sombrio do qual Kratos está tentando fugir. O cânone foi preservado, mas a narrativa avançou para um novo mito. Foi um soft reboot magistral. Por outro lado, temos exemplos menos felizes, onde retcons foram percebidos como desrespeitosos ou puramente convenientes, quebrando a confiança dos fãs.
O caminho para Tomb Raider, acredito, está em algum lugar no meio. A franquia tem uma vantagem única: a própria arqueologia. Que tal se a "linha do tempo unificada" for, na verdade, a coleção de diários, artefatos e relíquias que a própria Lara está montando ao longo da vida? Eventos contraditórios poderiam ser apresentados como diferentes versões de uma mesma lenda, ou registros históricos incompletos que ela está tentando decifrar. Isso transforma a bagunça cronológica de um problema para uma característica do mundo – a história é confusa, e cabe à arqueóloga organizá-la.
É uma ideia maluca? Talvez. Mas me faz pensar: será que estamos presos demais à ideia de uma cronologia linear e perfeita? As melhores mitologias do mundo real são cheias de versões conflitantes. O que importa não é a precisão absoluta, mas o poder emocional e simbólico da história. A jornada de Lara de sobrevivente traumatizada a aventureira lendária é, no fundo, poderosa, independente dos detalhes de quando exatamente ela aprendeu a escalar cordas.
O Papel da Amazon Games: Um Novo Olhar de Fora para Dentro
Aqui entra um fator crucial e pouco discutido: a Amazon Games. Como nova publicadora e parceira no desenvolvimento, eles trazem uma perspectiva externa. Enquanto a Crystal Dynamics vive e respira Lara Croft há anos, a equipe da Amazon pode olhar para a franquia com perguntas frescas. "Por que isso é assim?", "Essa contradição é realmente importante?", "Qual é o núcleo emocional que queremos preservar acima de tudo?".
Essa colaboração pode ser a chave. A Crystal garante o respeito ao legado e ao espírito da personagem. A Amazon, sem o apego emocional a cada minúcia do passado, pode ajudar a identificar quais ajustes narrativos oferecem o maior retorno em coerência, com o menor custo em fãs chateados. É um equilíbrio delicado, mas potencialmente muito frutífero. A pressão por um universo coeso e "streaming-ready" (pensando em futuras adaptações) certamente está na mesa.
E não podemos esquecer os fãs. Em uma era de mídias sociais, a reação em tempo real é um fator de desenvolvimento. As equipes certamente estão de olho nos fóruns e discussões, vendo quais pontos de dor na cronologia mais incomodam a comunidade. Afinal, um retcon que resolve um problema que ninguém se importava é um esforço desperdiçado. O foco deve estar nas inconsistências que realmente atrapalham a imersão e o investimento na história.
No fim das contas, o silêncio da Crystal Dynamics e da Amazon sobre esse tópico específico é revelador. Eles sabem que estão pisando em ovos. Qualquer declaração precipitada poderia inflamar ainda mais a especulação ou criar expectativas impossíveis. O melhor a fazer é deixar o trabalho falar por si quando os jogos forem revelados. Até lá, a imaginação da comunidade continuará construindo e desconstruindo possíveis futuros para Lara Croft, tentando resolver um quebra-cabeça que nem sabemos ao certo se os desenvolvedores pretendem resolver da maneira que imaginamos. E, de certa forma, essa especulação coletiva é parte da magia de acompanhar uma franquia por tanto tempo.
Com informações do: IGN Brasil










