A Ram está prestes a reacender uma chama no competitivo mercado brasileiro de picapes médias. A confirmação do retorno da Dakota, com lançamento previsto para o primeiro trimestre de 2026, não é apenas o renascimento de um nome icônico, mas uma jogada estratégica da Stellantis. Produzida na Argentina, ao lado da Fiat Titano, a nova Dakota promete trazer um refinamento superior e o status da marca Ram para um segmento dominado por Toyota Hilux e Ford Ranger. Mas será que ela consegue se diferenciar o suficiente da sua irmã de plataforma?

Ram Dakota Laramie em cor prata, vista de perfil, destacando suas linhas robustas e grade dianteira

Duas personalidades, uma mesma base

A estratégia da Ram para a Dakota é clara: oferecer duas propostas bem distintas para conquistar públicos diferentes. De um lado, temos a Warlock, com seu visual escurecido, rodas de 17 polegadas, pneus mistos e santantônio de série, claramente apelando para quem busca uma picape com DNA off-road e uma estética mais aventureira.

Do outro, a Laramie assume o papel da versão premium, focada no conforto urbano e no luxo. Cromados, rodas de 18 polegadas diamantadas e um detalhe tecnológico interessante: uma barra de LED que conecta os faróis, com animações de boas-vindas. É uma tentativa de trazer um pouco do teatro visual das picapes full-size para o segmento médio.

Curiosamente, ambas as versões compartilham o mesmo coração: um motor 2.2 turbodiesel de quatro cilindros, que entrega 200 cv e 45,9 kgfm de torque, acoplado a um câmbio automático de oito marchas. A tração é 4x4 automática, com seletor rotativo e bloqueio do diferencial traseiro. Em termos de capacidade, a Dakota promete carregar 1.020 kg na caçamba e rebocar até 3.500 kg – números que a colocam na briga direta com as rivais.

Interior da Ram Dakota Laramie, mostrando o painel com telas digitais e bancos em couro

Onde a Dakota tenta se distanciar da Titano

Aqui está o grande desafio (e a grande pergunta) para a Ram. A Dakota divide a linha de montagem e a plataforma com a Fiat Titano 2026. No papel, isso garante economia de escala, mas no mercado, exige uma diferenciação convincente para justificar o provável preço mais alto.

A Ram aposta em alguns trunfos. No design, a frente é completamente diferente, com uma grade proeminente com as letras "RAM" e faróis full-LED exclusivos. As lanternas traseiras também são desenhadas sob medida. As dimensões são ligeiramente ajustadas, sendo 3 cm mais longa e 7 cm mais estreita que a Titano.

Mas é no interior que a marca promete o maior salto. A Dakota utiliza materiais macios ao toque no painel e nas portas, e os bancos em couro são padrão. O pacote tecnológico de série é robusto, com destaque para as telas unidas (instrumentos digitais de 7" e multimídia de 12,3"), sistema de câmeras 360° com a função "capô transparente" e um conjunto completo de assistentes à direção (ADAS), incluindo piloto automático adaptativo e alerta de ponto cego.

Na minha opinião, esse interior mais refinado e o pacote tecnológico completo de fábrica podem ser os grandes argumentos de venda. Muitos concorrentes ainda oferecem itens de segurança e conforto como opcionais em versões de entrada.

Vista frontal da Ram Dakota, destacando a grade imponente e os faróis em LED

O cenário competitivo e os desafios pela frente

Com lançamento só em 2026, a Ram tem tempo para afinar os últimos detalhes. O preço, obviamente, será um fator decisivo. A Dakota precisará se posicionar em um ponto delicado: ser mais cara que a Titano para refletir seu acabamento superior, mas não tão cara a ponto de esbarrar nas versões mais equipadas da Hilux e da Ranger, que têm uma fortaleza de imagem e rede de concessionárias no Brasil.

O fato de ser produzida na Argentina é uma faca de dois gumes. Por um lado, facilita a logística e pode ajudar em questões de preço. Por outro, a percepção do consumidor brasileiro sobre veículos fabricados no Mercosul, em comparação com as rivais de origem japonesa ou americana (mesmo que também montadas regionalmente), é algo que a Ram terá que gerenciar.

O retorno do nome Dakota evoca nostalgia para os fãs mais antigos, mas para o mercado atual, o que vai contar mesmo são os números finais: preço, equipamento, consumo e, claro, a força da rede de assistência pós-venda. A aposta em um acabamento mais premium e em duas personalidades bem definidas (Warlock e Laramie) é inteligente. Agora, resta saber se o consumidor brasileiro de picapes médias está disposto a abraçar uma nova opção que, no fundo, vem de uma plataforma familiar.

Detalhe do console central e da alavanca de câmbio da Ram Dakota

Falando em plataforma familiar, é inevitável comparar a experiência ao volante. Ainda não tivemos a chance de dirigir a Dakota, mas conhecemos a Titano atual. A pergunta que fica é: até que ponto a suspensão, a calibração da direção e o isolamento acústico serão diferentes? A Ram promete um "refinamento superior", mas isso é algo que só se comprova no asfalto esburacado das nossas estradas e nas estradas de terra. Será que os engenheiros conseguiram dar uma personalidade sonora e dinâmica distinta para o motor 2.2 turbodiesel, ou ele soará e responderá da mesma forma que na picape da Fiat?

E sobre esse motor, aliás. Os 200 cv e 45,9 kgfm são números competitivos, sim. Mas e o consumo? Em um mercado cada vez mais sensível ao preço do diesel e à eficiência, a economia de combustível pode ser um trunfo (ou um problema) silencioso. A Toyota e a Ford têm investido pesado em hibridização leve nas suas linhas. A Dakota chegará apenas com propulsão diesel pura. É uma aposta segura pela robustez e torque, mas será suficiente daqui a dois anos, quando a concorrência pode estar ainda mais avançada nessa frente?

Close na traseira da Ram Dakota, mostrando a badge Laramie e o design das lanternas

A batalha dos detalhes: onde o dia a dia realmente importa

As fotos mostram um interior realmente convidativo na Laramie. Mas e os espaços de armazenamento? O console central é profundo o suficiente para guardar tablets? Há tomadas USB-C ou apenas as tradicionais USB-A? A caçamba tem pontos de amarração robustos e uma tomada 110V/12V para ferramentas? São detalhes pequenos, mas que fazem toda a diferença para quem usa uma picape como ferramenta de trabalho ou para o lazer no fim de semana.

Outro ponto crucial será a conectividade. O sistema de infotainment de 12,3" promete, mas ele terá integração nativa com Android Auto e Apple CarPlay sem fio? E o software será atualizável por over-the-air (OTA), corrigindo bugs e adicionando funções com o tempo, ou ficará congelado na versão de fábrica? Na era dos carros cada vez mais inteligentes, isso deixa de ser um mero "detalhe tecnológico" e vira um item de decisão de compra para muitos.

Na versão Warlock, a estética off-road é atraente. Mas ela será apenas cosmética, ou virá com algum benefício real para quem enfrenta trilhas? A suspensão tem alguma curso extra? A proteção do cárter é de série ou um acessório opcional? Oferecer uma aparência aventureira sem a mecânica para acompanhar pode frustrar um público que está justamente migrando de picapes menores, como a Toro, em busca de maior capacidade.

Vista traseira da Ram Dakota Warlock, mostrando os pneus mistos e o step traseiro

O elefante na sala: a rede de concessionárias e a pós-venda

A Ram tem uma imagem forte no segmento de pesados, mas sua presença no mercado de médias é, hoje, praticamente inexistente no Brasil. Construir uma rede de concessionárias capaz de atender com a mesma agilidade e capilaridade da Toyota ou da Ford é um desafio hercúleo e de longo prazo. O consumidor que compra uma Hilux sabe que, seja em Manaus ou em Porto Alegre, provavelmente encontrará uma concessionária e peças de reposição.

Com a Dakota, a Ram precisará convencer o comprador de que o pós-venda será tão premium quanto o acabamento do carro. Qual será o plano de garantia? Oferecerão períodos estendidos ou serviços de assistência 24h para tentar compensar a rede menor? O custo e a disponibilidade das peças de desgaste, como pastilhas de freio e amortecedores, também pesarão no bolso do proprietário a médio prazo. É um ponto que muitas vezes não aparece nas fichas técnicas, mas queima a imagem de uma marca rapidamente se mal resolvido.

E não podemos ignorar o fator revenda. Como o mercado vai precificar a Dakota daqui a três ou cinco anos? A desvalorização será mais acentuada por ser um modelo novo e de uma marca com rede menor, ou o apelo da marca Ram e o acabamento premium ajudarão a segurar seu valor? É uma pergunta que todo comprador consciente faz, mesmo que subconscientemente.

Por fim, há a questão da personalização. A Ram nos EUA é famosa por seus infinitos pacotes e acessórios originais. Trazer essa cultura de personalização para o Brasil, com itens como barras de teto, capas de caçamba específicas, grades diferenciadas e kits de proteção, poderia ser uma maneira brilhante de engajar os proprietários e criar uma comunidade em torno do modelo. Mas será que a estrutura da Stellantis no Mercosul está preparada para isso, ou a Dakota será vendida em configurações mais "fixas", como é comum por aqui?

A verdade é que os próximos meses, até o lançamento no primeiro trimestre de 2026, serão de intensa especulação e ajustes finais. A Ram tem uma janela de oportunidade, mas também uma lista considerável de desafios para fazer da Dakota não apenas um retorno nostálgico, mas uma opção verdadeiramente viável e desejável no dia a dia do brasileiro. O sucesso dependerá menos das especificações no papel e mais de como todas essas promessas se materializam na rua, na concessionária e no bolso do consumidor.

Com informações do: Quatro Rodas