O mercado de hardware está enfrentando uma tempestade perfeita de preços, e o epicentro está na memória. Um novo relatório da TrendForce revela que os preços de contratos para memória NAND Flash, essencial para SSDs, dispararam entre 20% e 60% apenas no mês de novembro. E o que está por trás desse salto? A resposta, em grande parte, está na insaciável demanda por inteligência artificial, que está redirecionando a produção e esquentando o mercado de uma forma que poucos consumidores finais viram chegar.

Imagem de divulgação das memórias Samsung

A demanda corporativa que afeta o consumidor final

Você já se perguntou por que o SSD que você queria comprar parece mais caro esta semana? A culpa pode não ser diretamente da sua loja online favorita. A TrendForce aponta que o motor principal desse aumento foi a "forte demanda por SSDs para empresas". Servidores que alimentam data centers de IA, infraestrutura de nuvem e soluções corporativas estão sugando a oferta disponível.

E aqui está o efeito dominó que poucos consideram: para atender essa encomenda massiva do setor corporativo, os fabricantes tiveram que desviar capacidade de produção. Isso significa menos wafers (as "bolachas" de silício onde os chips são feitos) destinados aos SSDs e pendrives que você e eu compramos. Menos oferta para o mercado consumidor, com a demanda doméstica se mantendo, resulta inevitavelmente em preços mais altos nas prateleiras. É um clássico caso de um setor (corporativo) espremendo o outro (consumidor).

A análise é ainda mais granular. O tipo específico de memória TLC de 512Gb, por exemplo, teve o maior aumento entre todos os produtos TLC, subindo mais de 65% em relação a outubro. Por quê? Segundo a TrendForce, foi afetado pelo "encerramento acelerado de nodos de legado" (linhas de produção mais antigas sendo desativadas) e pela demanda de mercado mantida. É um aperto por todos os lados.

Uma tendência que veio para ficar (pelo menos por um tempo)

Se você está esperando que essa seja uma alta passageira, talvez seja melhor repensar. Novembro não foi um ponto fora da curva; foi mais um capítulo em uma tendência que se arrasta desde o início do ano. E a previsão para dezembro, segundo os próprios analistas, é de mais do mesmo.

A TrendForce é direta: "fornecedores atualmente detêm um poder significativo de precificação, e a escassez do suprimento em nível de wafers não deve melhorar em breve. Consequentemente, preços de contratos estão projetados para continuar aumentando em dezembro." Em outras palavras, os fabricantes estão no comando, a matéria-prima (os wafers de silício) continua escassa, e não há alívio à vista no curto prazo.

Preços de memórias DRAM E NAND devem subir no segundo semestre

Isso coloca o consumidor em uma posição complicada. Aquele upgrade de armazenamento que você planejava para o PC ou notebook pode precisar ser reconsiderado, ou antecipado, antes que os preços subam ainda mais. Alguns já especulam, meio em tom de brincadeira, meio sério, que a Black Friday que passou pode ter sido a última oportunidade real de pegar um bom preço em componentes de armazenamento por um bom tempo.

E o impacto vai além do SSD avulso. Pense em laptops novos, consoles, smartphones – qualquer dispositivo com armazenamento flash. O custo mais alto do componente NAND será, cedo ou tarde, repassado para o preço final do produto. É uma inflação silenciosa que começa nos data centers e termina no nosso bolso.

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O que isso significa para o futuro do armazenamento?

Olhando para frente, a pergunta que fica é: até onde isso vai? A resposta, infelizmente, não é animadora para quem busca preços baixos. A transição da indústria para modelos de negócio focados em IA e computação de alto desempenho não é um modismo passageiro – é uma reestruturação fundamental. Fabricantes como a SK Hynix já declararam publicamente que praticamente toda a sua capacidade de produção para 2026 de produtos de ponta, como HBM (High Bandwidth Memory, crucial para GPUs de IA), já está comprometida. Isso nos dá uma pista clara de onde está o foco e o investimento.

E não pense que é só uma questão de realocar fábricas. Desenvolver e produzir memórias NAND de última geração, com mais camadas e maior densidade, é um processo caríssimo e complexo. O capital que antes poderia ser usado para expandir a capacidade geral está sendo canalizado para atender a um cliente específico e muito mais lucrativo: o setor corporativo de tecnologia. Na prática, a "torta" de produção não está crescendo na velocidade suficiente para alimentar dois mercados famintos ao mesmo tempo.

Isso me lembra de uma conversa com um colega que trabalha com compras para uma pequena empresa de TI. Ele comentou, meio frustrado, que os prazos de entrega para SSDs enterprise, que antes eram de semanas, agora estão se estendendo para meses. "Parece que todo mundo está construindo seu próprio pequeno data center de IA", brincou. A piada tem um fundo de verdade. A democratização das ferramentas de IA, que permite até mesmo startups implementarem modelos complexos, está criando uma base de demanda ampla e dispersa, que pressiona a cadeia inteira.

Estratégias dos fabricantes e o jogo de oferta e demanda

É tentador culpar os fabricantes por "aproveitarem a situação", mas a realidade dos negócios é um pouco mais cinza. Após alguns anos de preços deprimidos e margens apertadas – lembra quando os SSDs de 1TB ficaram incrivelmente baratos? – a indústria de semicondutores encontrou uma válvula de escape. A demanda por IA oferece um caminho para margens mais saudáveis e previsibilidade. Do ponto de vista deles, faz todo sentido comercial priorizar contratos de longo prazo e alto volume com grandes empresas de cloud, em detrimento do volátil mercado de varejo.

Além disso, há um movimento estratégico de "disciplina de oferta". Em vez de inundar o mercado com chips para baixar preços e ganhar market share (uma guerra que desgasta todos), os grandes players como Samsung, SK Hynix e Micron estão controlando deliberadamente o crescimento da oferta para sustentar a valorização. Eles aprenderam com os ciclos passados de vacas magras. A TrendForce menciona justamente esse "poder significativo de precificação" – uma forma educada de dizer que o equilíbrio de poder saiu dos compradores e foi para os vendedores.

O que pouca gente discute é o papel da consolidação do mercado. Com menos players gigantes dominando a produção global de NAND, é mais fácil para o setor agir de forma coordenada, mesmo que informalmente. Quando um reduz investimentos ou desativa linhas de produção antigas (os tais "nodos de legado"), os outros seguem o ritmo, evitando uma superprodução que derrubaria os preços para todos. É um equilíbrio delicado, mas que, no momento, está inclinado fortemente a favor dos fabricantes.

E o consumidor comum, fica só olhando? Não exatamente. Algumas mudanças de comportamento já são visíveis. A migração para SSDs com tecnologia QLC (Quad-Level Cell), que armazena mais dados por célula mas é um pouco mais lenta e menos durável que a TLC, tem ganhado força justamente por ser uma alternativa mais barata para os fabricantes produzirem. Você pode notar isso nas prateleiras: muitos SSDs "econômicos" de 2TB ou 4TB agora usam QLC. É um trade-off que a indústria está nos oferecendo: mais capacidade pelo mesmo preço (ou um pouco menos), em troca de uma performance de escrita sustentada um pouco menor. Para o uso do dia a dia, muitas vezes é uma troca imperceptível e válida.

Outro ponto é a resiliência das marcas. Aquele aumento de 50% reportado pela Sandisk não foi um caso isolado. Todas as grandes marcas de consumo que dependem da compra de wafers dos fabricantes (as chamadas "sem fábrica" ou fabless) estão sentindo o mesmo aperto nos custos. A diferença será como cada uma vai administrar esse aumento: absorvendo parte da margem, repassando integralmente, ou usando o momento para reposicionar seus produtos no mercado. A próxima geração de consoles de videogame, por exemplo, que sempre busca um custo agressivo, pode enfrentar um dos seus maiores desafios de engenharia de custos justamente aqui.

No fim das contas, estamos testemunhando um realinhamento global de prioridades. O armazenamento rápido deixou de ser um simples acessório para PCs e se tornou a espinha dorsal da economia digital. E quando a infraestrutura global muda, os preços no varejo local acompanham. A questão que fica no ar é por quanto tempo esse novo patamar de custos vai se sustentar, e que tipo de inovações – talvez em arquiteturas de memória completamente diferentes – podem surgir para desafiar o domínio atual da NAND flash. A corrida, claramente, só está começando.

Com informações do: Adrenaline