Um verdadeiro tesouro sobre rodas está prestes a mudar de mãos. O Museu CARDE, em Campos do Jordão, prepara para este sábado, 6, um leilão que promete agitar o mercado de colecionadores brasileiros. Chamado de "Spring Sale", o evento reúne 30 lotes selecionados a dedo, incluindo peças raríssimas da coleção da família Haberfeld e até um Chevrolet Omega CD Irmscher restaurado pela própria General Motors. Os valores? Bem, variam de R$ 210.000 para o sedã nacional a estimativas que beiram os R$ 3,8 milhões para uma Ferrari Dino especialíssima. Vamos dar uma olhada em alguns dos destaques que farão qualquer entusiasta suspirar.

Ferrari 365 GT 2+2

As Joias da Coroa: Ferraris e um Mercedes Chanceler

No topo da pirâmide, duas Ferraris chamam a atenção não só pelo preço, mas pela história. A Ferrari 365 GT 2+2, de 1969, com estimativa entre R$ 2,8 e 2,9 milhões, era o supra-sumo do luxo e desempenho no final dos anos 60. Seu motor V12 de 4.4 litros e 320 cv era uma maravilha de engenharia, capaz de ultrapassar os 240 km/h com a elegância típica de um Grand Tourer. Curiosamente, foi o primeiro modelo da marca a vir com direção hidráulica e ar-condicionado de série. Já a Ferrari Dino GTS 'Chairs & Flares', de 1974, é ainda mais valiosa, com lance imediato de R$ 3,6 milhões. Esta versão raríssima, com bancos estilo Daytona e paralamas alargados, nasceu de uma estratégia de Enzo Ferrari para criar um carro mais acessível e competitivo contra o Porsche 911, usando o motor V6 da Fórmula 2.

Mas não são só as italianas que brilham. Há um pedaço da história política alemã sobre rodas: o Mercedes-Benz 300 "Adenauer" de 1950. O apelido veio do chanceler Konrad Adenauer, que adorava o conforto e o espaço interno do carro. Símbolo máximo de status no pós-guerra, seu design imponente e motor seis cilindros 3.0 fazem dele um ícone. E por falar em Mercedes, o elegante 190 SL de 1959 também está na lista. Este conversível foi um sucesso entre as estrelas de Hollywood dos anos 50 e 60, sendo o carro de escolha de ícones como Grace Kelly e Frank Sinatra.

Jaguar E-Type

Clássicos do Design e Raridades Inusitadas

Alguns carros transcendem a função de transporte para se tornarem obras de arte. É o caso do Jaguar E-Type 1974, considerado por muitos um dos carros mais bonitos já feitos. Suas linhas são tão perfeitas que um exemplar está no acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). A unidade do leilão é um roadster do último ano de produção, equipado com o cobiçado motor V12 de 5.3 litros.

E que tal um conversível com um conceito de teto engenhoso? O BMW 2002 Baur de 1974 é exatamente isso. Fruto de uma parceria com a coachbuilder Karosserie Baur, ele não é um conversível tradicional. Seu sistema "Targa" permite remover partes do teto mantendo a rigidez estrutural das colunas, um conceito fascinante para a época. Com apenas pouco mais de 2.000 unidades produzidas, é uma raridade e tanto.

A lista de desejos segue com o esportivo Alfa Romeo Giulia Spider Veloce 1965, o clássico americano Cadillac Series 62 Convertible 1947 (um símbolo da prosperidade pós-guerra) e o pioneiro Porsche 356 B Roadster 1960, um dos primeiros esportivos de produção em série da marca.

Chevrolet Omega CD Irmscher

O Destaque Nacional: Um Omega Zero KM

Em meio a tantas lendas internacionais, um brasileiro chama a atenção por sua história peculiar. O Chevrolet Omega CD Irmscher 1994 é o único lote que não veio da coleção Haberfeld. Ele passou por uma restauração completa no programa Vintage da General Motors, saindo de lá como um "clássico zero km". O que o torna especial é o raro kit de performance da Irmscher, que aumentou a cilindrada do motor de 3.0 para 3.6 litros. Um verdadeiro objeto de desejo dos anos 90, com o carimbo de autenticidade da própria GM. O interesse já é tão grande que os lances, mesmo sem preço mínimo ("Sem Reserva"), já superaram a marca de R$ 200.000.

O leilão "Spring Sale" acontece no próximo sábado, 6, a partir das 14h, de forma presencial no Museu CARDE, em Campos do Jordão, e também online. Para quem quer sonhar alto ou apenas admirar essas máquinas, a lista completa dos 30 lotes está disponível no site do leiloeiro Magalhães Gouvêa.

Mas o que realmente torna um leilão como este tão especial? Vai além dos números e das especificações técnicas. É sobre a narrativa que cada carro carrega. Pegue o Mercedes 300 "Adenauer", por exemplo. Você consegue imaginar as decisões de estado que foram tomadas em seu interior, os acordos políticos discutidos ao som suave de seu motor? Cada arranhão no couro, cada ajuste no rádio, conta uma história que transcende o automóvel em si. É essa aura de história viva que os colecionadores buscam – e estão dispostos a pagar caro por ela.

E falando em histórias, a Ferrari Dino GTS 'Chairs & Flares' é um capítulo à parte. Enzo Ferrari, um homem conhecido por sua teimosia e paixão pelos motores V12, cedeu à pressão do mercado para criar um carro com motor V6. Foi uma jogada pragmática, quase herética para a época, mas que deu origem a uma lenda. Dirigir um Dino é, de certa forma, sentir o conflito interno do próprio Commendatore entre a tradição e a inovação. Quantos carros hoje em dia podem oferecer uma experiência tão carregada de significado?

BMW 2002 Baur

O Mercado de Clássicos no Brasil: Um Ecossistema em Transformação

Eventos como o Spring Sale do CARDE são um termômetro interessante para o mercado brasileiro de carros clássicos. Por muito tempo, esse nicho foi visto como um hobby para poucos, com peças circulando em grupos fechados. Hoje, com leilões públicos e online, a dinâmica mudou. A visibilidade aumentou, e junto com ela, os valores. O Omega CD Irmscher batendo na casa dos R$ 200 mil é um sintoma claro disso. Não se trata mais apenas de carros europeus ou americanos; os nacionais com pedigree e história própria estão conquistando seu espaço – e sua valorização.

Isso cria um ciclo virtuoso, na minha opinião. A valorização incentiva a restauração e a preservação. Pessoas que têm um exemplar raro guardado na garagem passam a enxergá-lo não como um "carro velho", mas como um patrimônio. Programas como o Vintage da GM, que restaurou o Omega, são fundamentais nesse processo. Eles trazem expertise industrial para um universo que antes dependia quase exclusivamente de artesãos especializados – e muitas vezes escassos.

Mas há um lado B. A profissionalização e a alta dos preços também podem afastar o colecionador médio, aquele que compra por paixão pura, não como investimento. O risco é o mercado se tornar muito financeirizado, onde os carros trocam de mãos em leilões sem nunca rodar nas ruas, perdendo sua essência. Um clássico precisa ser vivido, não apenas contemplado. O cheiro de gasolina, o barulho característico do motor, a sensação única da direção – é isso que não tem preço.

Para Além do Martelo: A Jornada Pós-Leilão

O que acontece depois que o martelo bate e o carro tem um novo dono? Para muitos, é quando a verdadeira aventura começa. A posse de um clássico desses raramente é uma experiência "plug-and-play". Encontrar peças de reposição para uma Ferrari 365 GT 2+2 de 1969 ou para um BMW Baur 2002 pode ser uma caça ao tesouro internacional. É preciso cultivar uma rede de contatos, de especialistas mecânicos que entendam de carburadores e ignições a ponto, e de detalhistas que respeitem a patina original do veículo.

E depois há a questão da documentação. No Brasil, a burocracia para emplacar e regularizar um carro histórico pode ser um labirinto. O novo proprietário daquele lindo Jaguar E-Type V12 terá que lidar com perícias, processos no Detran e uma papelada que testa a paciência de qualquer um. Muitos colecionadores sérios contam com despachantes especializados justamente para navegar por essas águas turbulentas. É um preço extra, mas que faz parte do pacote quando se decide abraçar um pedaço da história automotiva.

Por fim, surge a pergunta: usar ou guardar? Alguns compram como obra de arte, para exibir em uma garagem climatizada. Outros, no entanto, acreditam que um carro foi feito para rodar. Participar de encontros, como a Mille Miglia brasileira ou eventos do Clube do Oldtimer, torna a posse muito mais gratificante. Ver o brilho nos olhos das pessoas ao ver um Alfa Romeo Giulia Spider passando, ouvir os comentários sobre o design do Cadillac 1947 – essas são as recompensas intangíveis que justificam todo o investimento e trabalho.

Alfa Romeo Giulia Spider

E você, já parou para pensar no que faria se levasse um desses lotes para casa? Seria o Mercedes 190 SL para passeios dominheiros na serra, evocando o glamour de uma era passada? Ou a robustez do Porsche 356 B para explorar estradas de terra, testemunhando a simplicidade genial de seu projeto? Cada carro no catálogo do Spring Sale não é apenas um conjunto de metal e borracha; é uma porta de entrada para um estilo de vida, uma comunidade e uma nova forma de enxergar o ato de dirigir. O leilão deste sábado não vai apenas definir novos preços de mercado; vai realocar sonhos e dar novos capítulos para histórias que já são, por si só, fascinantes.

Com informações do: Quatro Rodas