Em um cenário onde franquias de videogame frequentemente se adaptam para conquistar mercados globais, o Ryu Ga Gotoku Studio, criador da série Like a Dragon (conhecida no Ocidente como Yakuza), está tomando um caminho diferente. Em vez de diluir sua identidade japonesa para agradar a audiências ocidentais, o estúdio está firmemente comprometido em preservar a essência única que o tornou um fenômeno cult. Mas será que essa postura é um risco ou uma estratégia inteligente de longo prazo?

Uma Filosofia Inabalável
Em uma entrevista reveladora ao site Automaton-Media, o produtor executivo Yokoyama Masayoshi deixou claro que a equipe não tem intenção de alterar sua fórmula de sucesso. "Se realmente quiséssemos fazer um jogo para as audiências estrangeiras, seria obviamente melhor criar um protagonista estrangeiro e situar a história no exterior", explicou ele, com uma franqueza que é rara no meio corporativo. "Mas se fizéssemos isso, não seria um Like a Dragon. Não haveria nenhum sentido".
E ele vai além. Masayoshi acredita que a missão fundamental do estúdio é preservar sua individualidade a qualquer custo. Tanto que ele chegou a afirmar que, se a SEGA pressionasse por mudanças radicais para agradar interesses ocidentais, seria melhor simplesmente desfazer o time. É uma declaração forte, que mostra o quanto eles valorizam a autenticidade de sua criação.

O Paradoxo do Sucesso: Autenticidade vs. Adaptação
Aqui está o que é interessante: o sucesso recente da série no Ocidente, que você pode acompanhar em análises como a do Like a Dragon: Pirate Yakuza in Hawaii, coincidiu justamente com o momento em que os jogos começaram a chegar com menos alterações do que no passado. No início, a SEGA tentou uma abordagem bem diferente.
Lembra do primeiro Yakuza lançado nos EUA? A editora vendeu o jogo quase como um concorrente de GTA, com um elenco estrelado de dubladores e várias referências culturais japonesas removidas. Até o nome mudou, como detalhado em uma análise sobre a SEGA como editora. Foi uma tentativa de ocidentalização que, na visão atual do estúdio, tirou parte da alma da série.
Masayoshi faz uma observação perspicaz: "Eu acredito que as pessoas começam a fazer coisas estranhas quando elas entendem mal qual deveria ser seu negócio". É um lembrete poderoso para qualquer criador – saber o que você é é tão importante quanto saber para quem você está criando.

Mainstream ou Nicho? A Longa Estrada pela Frente
Apesar do crescimento impressionante, Masayoshi mantém os pés no chão. Ele acredita que Like a Dragon ainda não pode ser considerado mainstream no Ocidente. "Ainda há muito o que explorar no mercado norte-americano", admite, observando que o público europeu só recentemente começou a demonstrar um interesse mais consistente pela série.
Essa percepção é corroborada por outros lançamentos e confirmações, como a do Yakuza Kiwami 3 e seu spin-off Dark Ties, que continuam a alimentar a base de fãs. O estúdio parece entender que construir uma audiência leal é um processo gradual, que depende mais da consistência e qualidade do que de mudanças bruscas de direção.
E talvez seja aí que reside a sabedoria da abordagem do RGG Studio. Em um mercado saturado de franquias que parecem cada vez mais homogêneas em sua busca pelo apelo global, manter uma voz distintamente japonesa pode ser justamente o que diferencia Like a Dragon. Os fãs ocidentais que se apaixonaram pela série não o fizeram por ela ser como GTA – fizeram-no por ela ser algo completamente único, uma janela para uma cultura e uma forma de contar histórias que não encontram em nenhum outro lugar.
E pensar que essa postura quase radical de autenticidade vem de um estúdio que, ironicamente, já experimentou com fórmulas mais ocidentais. Lembra do Yakuza: Dead Souls? Ou da tentativa de um protagonista mais "durão" em certos momentos da série? São experimentos que, no fim, serviram para reforçar o que realmente funciona: a mistura única de drama criminal, humor absurdo e vida cotidiana que só o Japão – e mais especificamente, os distritos de Kamurocho e Sotenbori – podem oferecer.
Masayoshi toca em um ponto crucial quando fala sobre "entender mal qual deveria ser seu negócio". Quantas franquias você viu se perderem tentando agradar a todos? É um risco real. O que acontece, muitas vezes, é que ao tentar remover as "arestas" culturais que poderiam alienar alguns jogadores internacionais, você acaba removendo justamente o que dava personalidade ao jogo. A série Like a Dragon é repleta dessas arestas – dos cantores de karaokê desafinados aos subornos absurdos com lanches, dos banhos públicos aos encontros com personagens excêntricos. São exatamente essas peculiaridades que transformam o jogador em um turista virtual, curioso para explorar cada beco e conversar com cada NPC.
O Peso da Localização: Traduzir vs. Transplantar
Um aspecto que merece mais destaque nessa discussão é o trabalho de localização. Nos primeiros jogos, como mencionado, houve uma tendência a "ocidentalizar" não só o marketing, mas o próprio texto. Piadas culturais muito específicas eram suavizadas ou substituídas. Hoje, a abordagem parece ter mudado para uma que privilegia a tradução contextual – explicar, quando necessário, mas não remover.
Isso cria uma experiência mais rica, mas também mais exigente. O jogador ocidental precisa estar disposto a engolir um dicionário de gírias de yakuza, entender referências a programas de TV japoneses dos anos 80 e se familiarizar com etiquetas sociais completamente diferentes. E sabe o que é interessante? Essa "barreira" acaba funcionando como um filtro. Atrai o tipo de jogador que valoriza a imersão cultural genuína, aquele que quer mais do que apenas uma história de ação em um cenário exótico.
O sucesso de spin-offs como Judgment, que mantém a mesma essência urbana japonesa mas com um protagonista detetive, prova que a fórmula tem espaço para variações sem precisar abandonar suas raízes. É uma expansão do universo, não uma negação dele.
E falando em universo, a transição de Kazuma Kiryu para Ichiban Kasuga como protagonista principal foi outro teste de fidelidade à visão original. Ichiban é, em muitos aspectos, ainda mais "japonês" em sua ingenuidade e otimismo desmedido. Um herói que chora facilmente, que acredita em RPGs da vida real e que vê o mundo com os olhos de um sonhador. Um personagem que, em uma produção ocidental focada em "cool factor", provavelmente nunca teria passado do rascunho. E no entanto, foi justamente essa autenticidade emocional que conquistou os fãs.
O Mercado Global em Transformação
O que Masayoshi talvez subestime um pouco é como o próprio mercado ocidental mudou desde os anos 2000. A ascensão do anime ao mainstream, o sucesso global de filmes como Drive My Car vencedor do Oscar, e a popularidade de jogos como Persona 5 criaram um público muito mais receptivo e curioso sobre a cultura japonesa em sua forma não diluída.
Os jogadores hoje, especialmente os mais jovens, cresceram com a internet. Eles estão acostumados a consumir mídia de todo o mundo, a pesquisar referências que não entendem e a participar de comunidades online que dissertam sobre os mínimos detalhes de uma obra. A "estranheza" que antes era vista como um obstáculo agora pode ser um ativo. É o que transforma um jogo em um tópico de conversa, em conteúdo para vídeos no YouTube explicando "as 10 coisas mais bizarras que você só vê em Like a Dragon".
O próprio modelo de negócios da SEGA com a série reflete essa confiança. O lançamento simultâneo mundial, que antes era raro, agora é padrão. O investimento em dublagem em inglês de alta qualidade (mantendo a opção japonês, claro) mostra um compromisso com a acessibilidade, mas não com a alteração do conteúdo central. É uma distinção importante: você pode facilitar o acesso à experiência sem mudar a experiência em si.
E então surge a pergunta inevitável: até onde essa filosofia pode levar a franquia? O sucesso financeiro recente certamente dá ao estúdio uma margem de segurança para continuar nesse caminho. Mas o que acontece quando a próxima grande tendência do mercado – seja mundos abertos hiper-realistas, narrativas emergentes impulsionadas por IA, ou qualquer outra inovação – bater à porta? O RGG Studio incorporará essas tecnologias em seus próprios termos, como fez com o sistema de combate por turnos em Like a Dragon, ou verá isso como uma pressão externa para se conformar?
A resposta provavelmente está na própria história do estúdio. Eles já reinventaram o combate, expandiram os mundos, introduziram novos protagonistas. Mas sempre o fizeram de dentro para fora, guiados por sua própria visão criativa e pelo feedback de sua base de fãs mais dedicada – que, não por acaso, inclui uma parcela crescente de ocidentais que justamente apreciam a falta de concessões.
Com informações do: Adrenaline











