Quando Assassin's Creed Shadows foi anunciado em março, o jogo rapidamente se tornou alvo das chamadas "guerras culturais" que frequentemente dominam as discussões online. Críticas aos protagonistas, à jogabilidade e às decisões estéticas ameaçavam ofuscar o lançamento do título. Mas algo interessante aconteceu: quando o jogo finalmente chegou às lojas, boa parte desse barulho havia desaparecido. E agora, em um vídeo interno obtido pelo site GameFile, o CEO da Ubisoft, Yves Guillemot, revelou como a empresa conseguiu essa virada.

Ubisoft explica como lidou com brigas falsas envolvendo Assassin's Creed Shadows

Ignorando os "haters" e focando nos aliados

Guillemot admitiu que, em setembro de 2024, a empresa estava realmente acuada pelo ruído e pelas "brigas falsas" envolvendo o game. "Para sair desse canto, tivemos que parar de nos focar naqueles que nos odiavam", explicou o executivo. Essa mudança de mentalidade foi crucial - em vez de tentar vencer discussões infrutíferas nas redes sociais, a Ubisoft decidiu concentrar esforços em fortalecer sua base de fãs leais.

"Tivemos que começar a incentivar nossos aliados. Então paramos de tentar vencer as discussões, e aprendemos com o que nos guiou por 18 anos: a marca Assassin's Creed", continuou Guillemot. Essa estratégia de "ignorar os haters" funcionou, mas não foi a única decisão que contribuiu para um lançamento mais tranquilo.

O que me surpreende nessa abordagem é como ela vai contra a tendência atual de muitas empresas de tentar responder a cada crítica online. Às vezes, engajar com polêmicas artificiais só alimenta o fogo.

Ubisoft explica como lidou com brigas falsas envolvendo Assassin's Creed Shadows

O adiamento que fez a diferença

Guillemot também explicou que, do ponto de vista do marketing, a decisão de adiar Assassin's Creed Shadows no final de 2025 foi contraintuitiva. Para muitos observadores, parecia uma reação direta às críticas recebidas - o tipo de movimento que poderia ser interpretado como fraqueza. Mas, na prática, o adiamento acabou sendo uma jogada estratégica inteligente.

"Começamos fazendo a última coisa que qualquer um teria nos aconselhado. Atrasamos o game. O tempo extra permitiu que os desenvolvedores o polissem, otimizassem e atingissem o alto padrão que os fãs esperavam de um jogo de Assassin's Creed", declarou Guillemot.

Durante esse período adicional, a Ubisoft também mudou fundamentalmente a maneira como lidava com o jogo. Em vez de tentar responder a críticos ou justificar polêmicas, a empresa passou a dar mais espaço para os criadores que ajudaram a tornar a franquia bem-sucedida. "Os fãs voltaram, as conversas começaram a mudar e todos que construíram, jogaram e amaram esse game podiam ficar novamente orgulhosos".

É interessante notar como essa estratégia contrasta com a abordagem típica da indústria de games, onde prazos apertados e ciclos de desenvolvimento acelerados são a norma. O tempo adicional não só permitiu melhorias técnicas, mas também deu espaço para que a poeira das controvérsias iniciais baixasse.

O contexto mais amplo

Apesar do sucesso comercial de Assassin's Creed Shadows, as vendas não foram suficientes para resolver as dificuldades financeiras que a Ubisoft enfrenta há anos. A empresa continua navegando por uma crise financeira significativa, e o futuro da franquia parece estar em transformação.

Particularmente relevante é o fato de que a principal liderança responsável pelos títulos recentes de Assassin's Creed foi afastada da desenvolvedora, sugerindo que mudanças mais profundas podem estar por vir para a série. Essa transição de liderança ocorre em um momento delicado para a empresa, que precisa equilibrar a inovação com a manutenção do que tornou a franquia bem-sucedida por quase duas décadas.

O caso de Assassin's Creed Shadows oferece lições valiosas sobre como empresas de entretenimento podem navegar em águas turbulentas de opinião pública. Às vezes, a melhor resposta não é engajar em cada batalha online, mas sim focar no trabalho e na comunidade que realmente importa.

Lições para a indústria além dos games

O que torna o caso da Ubisoft particularmente interessante é como ele se conecta a um fenômeno mais amplo que afeta praticamente todas as indústrias criativas hoje. Na minha experiência acompanhando lançamentos de entretenimento, vejo cada vez mais empresas caindo na armadilha de tentar responder a cada crítica viral, mesmo quando essas críticas vêm de uma minoria barulhenta que talvez nunca fosse consumir o produto de qualquer maneira.

Guillemot mencionou algo que ressoa profundamente: "Aprendemos com o que nos guiou por 18 anos". Essa referência à história da marca é crucial. Quando você tem quase duas décadas de legado, por que deixar que algumas semanas de polêmica nas redes sociais definam sua identidade? É como se a empresa tivesse lembrado que, no fim do dia, o que importa é entregar uma experiência que honre o que os fãs amam na franquia.

O papel dos criadores na recuperação da narrativa

Um detalhe que muitas análises podem estar perdendo é como a Ubisoft reposicionou seus desenvolvedores durante esse período de adiamento. Em vez de mantê-los em silêncio ou fazê-los recitar falas de relações públicas, a empresa parece ter dado espaço para que esses criadores falassem genuinamente sobre seu trabalho. E isso faz toda a diferença.

Lembro-me de acompanhar alguns streams de desenvolvedores mostrando mecânicas do jogo que estavam genuinamente orgulhosos de ter criado. Não era marketing ensaiado - era paixão pelo ofício. Quando você permite que os artistas falem sobre sua arte, o tom da conversa muda completamente. As discussões deixam de ser sobre polêmicas artificiais e passam a ser sobre o que realmente importa: a experiência do jogador.

E falando em experiência, o tempo extra de desenvolvimento permitiu que a Ubisoft refinasse aspectos que talvez tivessem passado despercebidos em um lançamento apressado. Pequenos detalhes na jogabilidade, otimização de performance, ajustes na progressão - são esses elementos que, somados, criam a magia que os fãs esperam de um Assassin's Creed.

Quando o silêncio se torna a melhor estratégia

O que mais me impressiona na abordagem da Ubisoft é como ela desafia a sabedoria convencional sobre gerenciamento de crise. Hoje em dia, há toda uma indústria de consultores especializados em "resposta rápida" e "engajamento proativo" com críticos. Mas às vezes, a resposta mais poderosa é não responder.

Guillemot mencionou que a empresa parou de tentar "vencer as discussões". E isso é profundamente contraintuitivo em uma era onde cada marca parece obcecada em ter a última palavra. Mas pense bem: quantas vezes você viu uma empresa realmente "vencer" uma discussão nas redes sociais? Normalmente, essas brigas só geram mais engajamento para os críticos e mais dor de cabeça para a empresa.

O silêncio estratégico da Ubisoft durante o período de polêmica permitiu que o jogo falasse por si mesmo quando finalmente foi lançado. Em vez de gastar energia defendendo decisões criativas, a empresa investiu essa energia em melhorar o produto. E no fim, um bom produto é a melhor defesa contra críticas.

O desafio financeiro por trás do sucesso criativo

É importante contextualizar que, apesar do sucesso em navegar as controvérsias iniciais, a Ubisoft ainda enfrenta desafios estruturais significativos. A crise financeira da empresa não se resolve com um único lançamento bem-sucedido, não importa o quão bem executado seja o gerenciamento de reputação.

O afastamento da liderança principal de Assassin's Creed levanta questões interessantes sobre o futuro da franquia. Será que a próxima fase da série representará uma mudança mais radical de direção? Ou a empresa buscará consolidar o que funcionou em Shadows enquanto aborda suas questões financeiras de forma mais ampla?

O que me preocupa é que, em meio a pressões financeiras, empresas muitas vezes abandonam estratégias que provaram ser eficazes em favor de soluções de curto prazo. A paciência que a Ubisoft demonstrou com Shadows - tanto no desenvolvimento quanto no gerenciamento da narrativa - pode ser mais difícil de replicar quando os resultados trimestrais estão pressionando.

E isso nos leva a uma questão maior: em uma indústria cada vez mais volátil, como equilibrar a necessidade de inovação criativa com as realidades financeiras? A abordagem da Ubisoft com Shadows sugere que, às vezes, a resposta pode estar em confiar no que você sabe fazer bem, mesmo quando o barulho ao redor sugere o contrário.

Com informações do: Adrenaline