A corrida pela computação de exaescala acaba de ganhar um novo e impressionante participante europeu. Em uma parceria estratégica que une gigantes tecnológicos, a AMD e a Eviden revelaram planos para o supercomputador Alice Recoque, uma máquina que promete ultrapassar a marca de 1 ExaFLOP de desempenho. Para colocar isso em perspectiva, estamos falando de um quintilhão de operações de ponto flutuante por segundo - uma capacidade computacional que até pouco tempo atrás parecia ficção científica.
O coração tecnológico do Alice Recoque
O que realmente impressiona no Alice Recoque são as especificações técnicas que o tornam possível. A máquina utilizará os futuros processadores EPYC 'Venice' da AMD, que prometem chegar a incríveis 256 núcleos por chip. Mas o verdadeiro destaque fica por conta dos aceleradores Instinct MI430X, baseados na arquitetura CDNA 5 e equipados com 432 GB de memória HBM4.
Essa combinação não é apenas poderosa - é inteligentemente projetada. A memória HBM4 vem otimizada para computação de alto desempenho (HPC), mas também suporta os formatos de dados FP4 e FP8, tornando os aceleradores igualmente úteis para tarefas de Inteligência Artificial. É como ter um atleta que é excelente tanto em corridas de velocidade quanto em maratonas.
Na minha experiência acompanhando o desenvolvimento de supercomputadores, raramente vi uma abordagem tão equilibrada entre HPC tradicional e IA. A AMD parece ter aprendido com projetos anteriores e está criando uma solução que atende múltiplas necessidades científicas simultaneamente.
Infraestrutura e inovações europeias
A instalação completa do Alice Recoque será impressionante por si só - 94 racks baseados na plataforma BullSequana XH3500 da Eviden com armazenamento DDN. O que me chamou atenção foi a arquitetura BXI que será utilizada para interligar todos esses recursos computacionais. Essa tecnologia permite conectividade de alto desempenho verdadeiramente escalável, algo essencial quando se trabalha com volumes de dados tão massivos.
O consumo energético é outro aspecto fascinante. Estamos falando de aproximadamente 12 megawatts durante cargas típicas - suficiente para abastecer uma pequena cidade. Para lidar com esse desafio térmico, o sistema utilizará refrigeração líquida de água quente de 5ª geração para todos os componentes de alto consumo. É uma solução elegante para um problema que só cresce na computação de alto desempenho.
Mas talvez a parte mais interessante seja a inclusão das CPUs Rhea2 para usuários que preferem processadores desenvolvidos na Europa. Esta é a primeira vez que ouvimos falar desta CPU - anteriormente, só se mencionava Rhea ou Rhea1. Considerando que o Rhea2 ainda não foi finalizado, só podemos especular quando esses racks serão instalados, mas provavelmente em algum momento no final da década.
Investimento e impacto científico
O custo total do projeto está estimado em € 544 milhões (cerca de R$ 3,3 bilhões na cotação atual), um investimento significativo que vem do EuroHPC JU, do Programa Europa Digital e do consórcio Jules Verne. Esse último inclui a França (GENCI, CEA), os Países Baixos (SURF) e a Grécia (GRNET), demonstrando o caráter pan-europeu da iniciativa.
O que significa esse investimento para a comunidade científica? Pesquisadores e usuários industriais em toda a Europa terão acesso a uma ferramenta computacional sem precedentes. O sistema dará suporte a projetos que vão desde pesquisa climática e ciência de materiais até medicina personalizada e desenvolvimento de modelos de IA avançados.
Imagine poder analisar fluxos massivos de dados provenientes de satélites, telescópios e fontes da IoT em tempo quase real. É esse tipo de capacidade que o Alice Recoque trará para a mesa. E considerando os desafios globais que enfrentamos - mudanças climáticas, pandemias, transição energética - ter ferramentas computacionais dessa magnitude pode fazer toda a diferença.
O comunicado oficial não especifica uma data exata para o comissionamento, mas considerando que a AMD planeja lançar seus processadores EPYC 'Venice' e aceleradores Instinct MI430X em 2026, é razoável esperar que a máquina entre em operação entre 2027 e 2028. Resta saber como essa capacidade computacional será distribuída entre os diversos projetos científicos e como ela se comparará com outros supercomputadores exascale em desenvolvimento ao redor do mundo.
Fonte: AMD.
Desafios técnicos e inovações na arquitetura
Quando você para para pensar na escala do que está sendo construído aqui, alguns desafios técnicos se tornam imediatamente aparentes. Como coordenar efetivamente milhares de processadores e aceleradores trabalhando em conjunto? A arquitetura BXI mencionada anteriormente é parte crucial da resposta, mas há mais na equação.
O sistema de interconexão precisa lidar com latências extremamente baixas enquanto mantém throughput massivo. Em sistemas dessa magnitude, mesmo microssegundos de atraso na comunicação entre componentes podem impactar significativamente o desempenho geral. É como tentar coordenar uma orquestra sinfônica onde os músicos estão espalhados por vários quarteirões - a sincronização precisa ser perfeita.
Na minha experiência analisando projetos de supercomputação anteriores, muitas vezes o gargalo não está no poder bruto de processamento, mas sim na capacidade de mover dados rapidamente entre diferentes componentes do sistema. O Alice Recoque parece estar abordando isso de frente com sua arquitetura de rede avançada.

O ecossistema de software e aplicações científicas
Hardware impressionante é apenas metade da batalha. O que realmente determinará o sucesso do Alice Recoque será o ecossistema de software que o acompanha. Sistemas de exaescala exigem adaptações profundas nos códigos científicos existentes - muitos aplicativos de pesquisa foram desenvolvidos para arquiteturas completamente diferentes.
Estou curioso para ver como a comunidade científica europeia se preparará para essa transição. Programas de treinamento, workshops de porting de código e colaborações entre centros de pesquisa serão essenciais. Afinal, de que adianta ter uma Ferrari se você só sabe dirigir em primeira marcha?
As aplicações potenciais são tão diversas quanto ambiciosas. Pesquisadores farmacêuticos poderão simular interações moleculares com precisão sem precedentes, acelerando o desenvolvimento de novos medicamentos. Cientistas climáticos modelarão sistemas terrestres com resolução espacial e temporal até então impossível. E físicos explorarão fenômenos quânticos em materiais que poderiam revolucionar a eletrônica.
Mas há um aspecto que muitas vezes é negligenciado em discussões sobre supercomputação: a reprodutibilidade científica. Com capacidades computacionais tão massivas, como garantir que os resultados possam ser verificados e reproduzidos por outros pesquisadores? Esta é uma questão que a comunidade precisará enfrentar à medida que esses sistemas se tornam mais comuns.
O cenário global de computação exascale
O Alice Recoque não existe no vácuo - ele se insere em um cenário global cada vez mais competitivo. Estados Unidos, China e Japão já possuem ou estão desenvolvendo seus próprios sistemas exascale. O que diferencia a abordagem europeia?
Pelo que observei, há um foco maior na soberania tecnológica e na diversidade de aplicações. Enquanto alguns países concentram seus esforços em áreas específicas como defesa ou pesquisa climática, o modelo europeu parece privilegiar uma base mais ampla de usuários científicos e industriais.
E isso levanta uma questão interessante: como diferentes filosofias de design impactam a eficiência final dessas máquinas? Um sistema otimizado para um conjunto estreito de aplicações pode ser mais eficiente para essas tarefas específicas, mas menos versátil. O Alice Recoque, com seu equilíbrio entre HPC tradicional e IA, parece estar buscando o melhor dos dois mundos.

Outro aspecto que merece atenção é a sustentabilidade energética. Doze megawatts é uma quantidade colossal de energia - equivalente ao consumo de aproximadamente 30.000 residências europeias médias. A eficiência energética não é apenas uma consideração econômica, mas também uma responsabilidade ambiental.
O uso de refrigeração líquida de água quente é particularmente inteligente. Sistemas tradicionais de ar condicionado consomem quantidades significativas de energia apenas para remover o calor dos componentes. A refrigeração líquida direta é muito mais eficiente, e a água aquecida pode até ser reaproveitada para aquecimento de instalações adjacentes durante os meses mais frios.
Preparação da força de trabalho e impacto educacional
Um supercomputador dessa magnitude não surge do nada - ele exige uma força de trabalho altamente especializada para operá-lo, mantê-lo e, o mais importante, extrair valor científico dele. Isso representa tanto um desafio quanto uma oportunidade para o ecossistema educacional europeu.
Universidades e centros de pesquisa precisarão adaptar seus currículos para preparar a próxima geração de cientistas computacionais. Não se trata apenas de ensinar programação paralela ou técnicas de otimização, mas de desenvolver um pensamento sistêmico que compreenda as complexas interações entre hardware, software e domínio científico específico.
Estou animado para ver como programas de pós-graduação e oportunidades de estágio se desenvolverão em torno do Alice Recoque. Experiência prática com sistemas de ponta é incomparável para formar a próxima geração de pesquisadores. É como a diferença entre aprender a pilotar em um simulador versus ter horas de voo em um caça a jato.
E o impacto vai além da academia. A expertise desenvolvida para operar e programar o Alice Recoque inevitavelmente se filtrará para a indústria, fortalecendo o ecossistema de tecnologia europeu como um todo. Startups de deep tech, empresas de semicondutores e consultorias especializadas se beneficiarão desse conhecimento.
Mas há um risco aqui: a concentração de expertise. Como garantir que o conhecimento não fique restrito a uma pequena elite técnica? Programas de acesso amplo e iniciativas de capacitação serão cruciais para democratizar o benefício dessa incrível ferramenta computacional.
Com informações do: Adrenaline











