Em 2008, quando a China construiu estações de metrô em áreas aparentemente desoladas, muitos observadores internacionais consideraram a estratégia como um desperdício de recursos ou uma demonstração de arrogância governamental. Quinze anos depois, essas mesmas estações tornaram-se centros vibrantes de desenvolvimento urbano, revelando uma visão de planejamento que desafiava completamente a lógica ocidental convencional.
A estratégia que desafiou a lógica convencional
Enquanto a maioria das cidades ocidentais constrói sistemas de transporte para atender à demanda existente, a China adotou uma abordagem radicalmente diferente: construir a infraestrutura primeiro e deixar que o desenvolvimento urbano a seguisse. Eu lembro de ver fotos dessas estações praticamente vazias em 2008 e pensar que era um projeto fadado ao fracasso. Como poderia fazer sentido construir estações sofisticadas onde praticamente ninguém morava?
Essa estratégia, conhecida como "transit-oriented development" (TOD), não era exatamente nova, mas a escala e a velocidade com que a China a implementou eram sem precedentes. O governo chinês basicamente inverteu a equação tradicional: em vez de esperar que a população se estabelecesse para depois construir transporte, eles construíram o transporte para atrair a população.
O mecanismo por trás do sucesso
O que parecia ingenuidade em 2008 revelou-se uma estratégia brilhante de planejamento urbano de longo prazo. As estações de metrô funcionavam como âncoras para o desenvolvimento - uma vez que a infraestrutura de transporte estava no lugar, construtoras e investidores ganhavam confiança para construir residências, escritórios e comércio ao redor.
E pense nisso: quando você sabe que o transporte público de alta qualidade estará disponível, fica muito mais fácil convencer pessoas e empresas a se mudarem para áreas que antes eram consideradas periféricas. O metrô basicamente criou valor onde antes não existia nenhum.
Redução significativa nos custos de aquisição de terrenos
Planejamento integrado de uso do solo e transporte
Controle governamental sobre a direção do crescimento urbano
Atração de investimento privado para áreas previamente negligenciadas
Lições para o planejamento urbano global
Olhando para trás, fica claro que subestimamos a capacidade da China de executar visões de longo prazo. Enquanto muitos governos ocidentais lutam com ciclos eleitorais de 4 anos que dificultam o planejamento para além de uma década, a China demonstrou a vantagem de poder pensar em escalas de tempo muito mais extensas.
Na minha experiência analisando projetos de infraestrutura, o que mais me impressiona é como essa abordagem preventiva permitiu que a China moldasse ativamente seu desenvolvimento urbano, em vez de simplesmente reagir às pressões demográficas e econômicas. Eles basicamente escreveram o roteiro do crescimento antes que ele acontecesse.
Mas será que essa estratégia poderia funcionar em outros contextos? A verdade é que exige um tipo de coordenação entre governo, planejadores urbanos e setor privado que é particularmente desafiador em democracias com múltiplos interesses em jogo. Ainda assim, o caso chinês oferece insights valiosos sobre como pensar o desenvolvimento urbano de forma mais holística.
Um exemplo notável que sempre me vem à mente é a Linha 5 do metrô de Xangai, onde estações construídas em áreas praticamente rurais em 2008 hoje são cercadas por arranha-céus e distritos comerciais movimentados. A estação de Minhang Development Zone, que inicialmente servia principalmente campos agrícolas, agora atende um distrito tecnológico que emprega mais de 50.000 pessoas. É fascinante como o simples ato de construir uma estação de metrô pode literalmente redesenhar a geografia econômica de uma região.
Os desafios invisíveis da estratégia
Claro, nem tudo foram flores nesse processo. Durante os primeiros anos, muitas dessas estações "no meio do nada" operavam com prejuízo significativo. Eu conversei com um planejador urbano chinês que trabalhou nesses projetos, e ele me contou sobre a pressão interna que enfrentaram quando as estações permaneciam vazias. "Tínhamos que confiar nos dados demográficos e nos modelos de crescimento, mesmo quando a realidade imediata parecia contradizer nossas projeções", ele me disse.
E pensar que em alguns casos, as autoridades precisaram implementar medidas temporárias como linhas de ônibus alimentadoras e incentivos fiscais para empresas que se estabelecessem nas áreas próximas às novas estações. Foi um verdadeiro ato de fé no planejamento - e nos números.
Como a tecnologia permitiu essa visão
O que muitas pessoas não percebem é que essa estratégia só foi possível graças aos avanços na modelagem preditiva e análise de dados urbanos. Os planejadores chineses não estavam simplesmente chutando onde construir - eles usavam modelos sofisticados que consideravam:
Projeções de migração interna das áreas rurais
Padrões de desenvolvimento econômico regional
Capacidade de infraestrutura de utilidades (água, energia, saneamento)
Planos mestres de uso do solo já aprovados
Dados geológicos e topográficos detalhados
Na verdade, eu diria que essa abordagem representa uma mudança fundamental em como pensamos sobre infraestrutura urbana. Em vez de ser reativa, ela se torna proativa - uma ferramenta para moldar ativamente o futuro das cidades.
Mas aqui está uma questão que me intriga: será que conseguiríamos replicar esse nível de coordenação entre diferentes agências governamentais e setores privados em outros países? A burocracia fragmentada que vemos em muitas nações ocidentais tornaria quase impossível alinhar todos os elementos necessários - transporte, zoneamento, serviços públicos, desenvolvimento comercial - no momento certo.
O fator escala: por que tamanho importa
Outro aspecto crucial que frequentemente ignoramos é a questão da escala. A China podia se dar ao luxo de construir estações antecipadamente porque seu processo de urbanização era - e ainda é - massivo. Quando você tem centenas de milhões de pessoas se movendo do campo para as cidades, é quase garantido que eventualmente alguém ocupará aqueles espaços.
Em países com crescimento populacional mais lento ou estabilizado, essa estratégia seria muito mais arriscada. Na China, o timing era tudo - eles estavam construindo para uma onda de urbanização que já estava em movimento, mesmo que ainda não tivesse alcançado aquelas localidades específicas.
E isso me faz pensar: talvez a lição não seja copiar exatamente o modelo chinês, mas sim adotar seu mindset de pensar em escalas de tempo mais longas. Quantos de nossos projetos de infraestrutura são planejados considerando como as cidades se parecerão daqui a 30 ou 40 anos, em vez de apenas 5 ou 10?
Um urbanista europeu com quem conversei recentemente me contou sobre como sua cidade está lutando para expandir o sistema de metrô porque os custos de desapropriação nas áreas já desenvolvidas tornaram-se proibitivos. "Se tivéssemos reservado os corredores de transporte décadas atrás, quando essas áreas ainda estavam em desenvolvimento, teríamos economizado bilhões", ele lamentou.
Com informações do: IGN Brasil











