O fim de uma era e o começo de outra

A Mercedes-AMG decidiu apostar todas as fichas na tecnologia quando apresentou o novo C 63 S E Performance. O icônico motor V8, que durante anos foi a alma dos modelos AMG, deu lugar a um propulsor de quatro cilindros turbinado com um sistema híbrido plug-in. A mudança radical não agradou a todos os fãs da marca, especialmente os puristas que valorizavam o ronco característico e a personalidade dos motores de oito cilindros.

Design discreto esconde a potência extrema deste sedã esportivoFernando Pires/Quatro Rodas

O novo motor 2.0 litros é uma obra de engenharia impressionante. Com um turbocompressor elétrico inspirado na Fórmula 1, ele consegue gerar até 2,6 bar de pressão e entregar 476 cv - exatamente a mesma potência do antigo V8. Quando combinado com o motor elétrico de 204 cv, o sistema híbrido alcança incríveis 680 cv e 104 kgfm de torque. Números que, no papel, superam amplamente a geração anterior.

Tecnologia de ponta com alguns sacrifícios

A transição para a eletrificação trouxe consigo alguns desafios. O peso do veículo aumentou significativamente - são 2.165 kg, 465 kg a mais que o modelo anterior com V8. A bateria de 6,1 kWh, posicionada sobre o eixo traseiro, roubou espaço do porta-malas, que agora acomoda apenas 280 litros de bagagem, volume comparável ao de muitos hatchbacks compactos.

Mercedes-AMG C 63 S E Performance

Rodas aro 20" com design aerodinâmico complementam o visual esportivoFernando Pires/Quatro Rodas

No desempenho, porém, o novo C 63 S é imbatível. Acelera de 0 a 100 km/h em apenas 3,5 segundos, uma melhora significativa em relação aos 4,8 segundos do modelo anterior. As retomadas são ainda mais impressionantes, superando até mesmo o desempenho do AMG GT, o esportivo de dois lugares da marca. A tração integral, inédita no C 63, ajuda a colocar toda essa potência no asfalto de forma eficiente.

O dilema da personalidade versus performance

O que realmente divide opiniões é a experiência emocional ao volante. O ronco característico do V8 foi substituído por um sistema de som que amplifica artificialmente o ruído do motor. Do lado de fora, alto-falantes emitem ruídos tanto no modo elétrico quanto para reforçar o som dos quatro cilindros. Uma solução engenhosa, mas que não convence completamente os entusiastas mais tradicionais.

mercedes-amg c 63 s E Performance

Interior premium com materiais esportivos e tecnologia de pontaFernando Pires/Quatro Rodas

A cabine mantém o alto padrão Mercedes, com detalhes em fibra de carbono que dominam o painel central. As telas gigantes e a iluminação ambiente com 64 cores podem agradar uns e desagradar outros, mas certamente colocam o carro na vanguarda da tecnologia automotiva. Oito modos de condução permitem ajustar o comportamento do veículo desde um conforto urbano até a agressividade máxima no modo Race.

No uso diário, o C 63 S E Performance mostra-se mais econômico que seu antecessor V8 - 10,9 km/l na cidade contra 7,7 km/l do modelo anterior. Na estrada, porém, a relação se inverte: 10,2 km/l contra 12,3 km/l do antigo V8, consequência direta do peso adicional do sistema híbrido.

O desafio da transição para a eletrificação

A Mercedes-AMG não está sozinha nessa jornada rumo à eletrificação, mas certamente foi uma das mais ousadas ao substituir completamente o V8 por um sistema híbrido radical. Marcas como a BMW mantiveram motores de seis cilindros em seus modelos M, enquanto a Audi ainda oferece o V8 no RS6. A estratégia da AMG levanta questões interessantes: será que a performance bruta justifica a perda da identidade sonora? Ou estamos diante de um novo paradigma onde números frios superam experiências emocionais?

Durante meus testes, percebi que o sistema híbrido plug-in tem um comportamento peculiar. Nos primeiros quilômetros, quando a bateria está carregada, o carro se comporta como um veículo totalmente elétrico - silencioso, suave e incrivelmente responsivo. Mas conforme a carga diminui, o motor a combustão entra em cena de forma mais agressiva, revelando algumas limitações do pequeno quatro cilindros quando precisa trabalhar sozinho. A transição entre os modos poderia ser mais suave, especialmente em baixas velocidades.

Mercedes-AMG C 63 S E Performance interior

Banco esportivo com ajustes múltiplos oferece conforto e suporte lateralFernando Pires/Quatro Rodas

Tecnologia que impressiona (e às vezes frustra)

A MBUX, o sistema de infotainment da Mercedes, evoluiu para acompanhar a complexidade do novo C 63 S. São tantas configurações e submenus que pode levar dias para dominar todas as funções. O reconhecimento de voz funciona bem para comandos básicos, mas ainda tropeça em solicitações mais complexas. E aqui vai uma crítica pessoal: por que colocar controles essenciais como o volume do rádio e a temperatura do ar em telas sensíveis ao toque? Às vezes, botões físicos simplesmente fazem mais sentido.

A direção, embora precisa, perdeu parte da comunicação que caracterizava os AMGs anteriores. O sistema de direção integral traseira ajuda na agilidade, mas cria uma sensação artificial em curvas mais apertadas. Já os freios, com discos de carbono-cerâmica opcionais, são brutais - mas exigem um toque firme do pedal, especialmente quando o sistema de recuperação de energia está ativo.

O que mais me surpreendeu foi o comportamento do carro em pista. Apesar do peso extra, o C 63 S E Performance se equilibra de forma quase mágica nas curvas. O sistema de suspensão ativa com amortecedores eletrônicos faz um trabalho hercúleo para esconder os mais de 2 toneladas. Mas em estradas ruins, o conforto fica comprometido - o preço a pagar por tanta performance.

O mercado vai aceitar essa nova filosofia?

Conversando com concessionários, descobri que muitos clientes tradicionais da AMG estão hesitantes em abraçar essa mudança. O preço também não ajuda - o novo C 63 S E Performance chega ao mercado brasileiro por R$ 699.990, cerca de 20% mais caro que a geração anterior. Por outro lado, atrai um novo perfil de compradores, mais preocupados com tecnologia e menos apegados à tradição dos motores grandes.

Mercedes-AMG C 63 S E Performance traseira

Traseira agressiva com difusor destacado e saídas de escape quadradasFernando Pires/Quatro Rodas

Um detalhe curioso: a autonomia elétrica anunciada é de apenas 13 km, o que parece pouco para um híbrido plug-in. Na prática, em uso esportivo, a bateria se esgota ainda mais rápido. Isso levanta dúvidas sobre a real utilidade do modo elétrico, além de cumprir regulamentações ambientais. Será que não valeria a pena investir em uma bateria maior, mesmo que isso aumentasse ainda mais o peso?

A indústria automotiva vive um momento de transição dolorosa, e o C 63 S E Performance é talvez o exemplo mais extremo desse conflito entre passado e futuro. Por um lado, temos um carro tecnicamente superior em quase todos os aspectos mensuráveis. Por outro, falta aquela conexão emocional que fazia os entusiastas se apaixonarem pelos AMGs. Talvez seja apenas uma questão de tempo até nos acostumarmos com essa nova realidade - ou talvez a Mercedes precise repensar alguns conceitos para a próxima geração.

Com informações do: Quatro Rodas