Uma aventura elétrica que quase terminou mal
Imagine percorrer quase 1.000 km em um carro elétrico e ficar a poucos quilômetros de ficar completamente sem bateria. Foi exatamente o que aconteceu com o editor de arte Fabio Paiva durante uma semana testando o BYD Dolphin. O que deveria ser um teste rotineiro se transformou em uma verdadeira maratona de sobrevivência elétrica.
O dia em que a bateria quase acabou
"No terceiro dia, um roteiro de 260 km entre Indaiatuba e São Paulo virou uma aventura", conta Fabio. O carro não havia carregado completamente durante a noite usando o carregador portátil em casa. Uma recarga parcial em um carregador da Raízen elevou a carga de 44% para 81% em 25 minutos - teoricamente suficiente para a viagem, segundo o quadro de instrumentos. Mas a realidade foi diferente.

Faltando apenas 14 km para chegar em casa, o nível da bateria despencou para 1%. Desesperado, Fabio tentou usar os carregadores gratuitos da Volvo no aeroporto de Viracopos, mas estavam em manutenção. Até pedir uma simples tomada 220V ao segurança do estacionamento foi em vão - a resposta foi um "não" irredutível.
A solução criativa (e cara)
A salvação veio de forma inusitada: uma lavagem de carro. "Uma franquia de lavagem no estacionamento permitiu usar uma tomada desde que lavassem o carro", explica Fabio. A lavagem ecológica com cera custou R$ 130 e demorou 50 minutos - tempo suficiente para uma recarga de emergência de 7%.
Os funcionários revelaram um problema comum: muitos usuários deixavam seus carros carregando por dias, especialmente quando viajavam, impedindo que outros motoristas usassem os carregadores. Uma prática que, no caso de Fabio, quase o deixou a pé.
No final, a recarga de emergência custou caro: R$ 175 somando lavagem, estacionamento e um pequeno lanche. Um preço alto para aprender que, com carros elétricos, sempre é bom ter um plano B - e que a educação no uso dos carregadores públicos faz falta.
Os desafios ocultos da infraestrutura de recarga
A experiência de Fabio revela um problema maior do que a simples falta de educação dos usuários. A infraestrutura de carregamento no Brasil ainda está em fase de amadurecimento, com desafios que vão desde a disponibilidade de pontos até a compatibilidade entre diferentes redes. "Muitos carregadores públicos estão instalados em locais pouco práticos ou com horários de funcionamento restritos", explica o especialista em mobilidade elétrica Carlos Mendes. "Isso cria uma falsa sensação de segurança para os motoristas."
Um levantamento da Associação Brasileira do Veículo Elétrico mostra que, enquanto São Paulo tem aproximadamente um carregador público para cada 15 carros elétricos, em cidades do interior essa relação pode chegar a 1 para 50. E mesmo quando os pontos existem, nem sempre estão operacionais - estima-se que 20% dos carregadores públicos apresentam problemas técnicos em qualquer momento.
Quando a tecnologia engana
Outro aspecto preocupante na aventura de Fabio foi a discrepância entre a autonomia estimada pelo veículo e a real. "O BYD Dolphin promete até 400 km com carga completa, mas na prática esse número varia muito", comenta a engenheira automotiva Renata Torres. "Fatores como velocidade média, uso de ar-condicionado e até o peso dos passageiros podem reduzir a autonomia em até 30%."
O sistema de navegação do Dolphin, que calcula rotas considerando pontos de recarga, também mostrou suas limitações. "Ele sugeriu um carregador que estava fora de serviço e ignorou outros que estavam funcionando", relata Fabio. Esse tipo de falha é comum em sistemas que não se atualizam em tempo real com o status dos carregadores.
O lado humano da mobilidade elétrica
Por trás dos números e da tecnologia, há um componente humano crucial. A recusa do segurança em permitir o uso de uma simples tomada 220V ilustra a desinformação que ainda cerca os veículos elétricos. "Muitas pessoas acham que carregar um carro elétrico é perigoso ou vai causar um aumento absurdo na conta de luz", explica o consultor de sustentabilidade Marcos Lima.
Por outro lado, a solução encontrada na lavagem de carros mostra como o empreendedorismo pode preencher lacunas da infraestrutura oficial. "Estamos vendo cada vez mais estabelecimentos comerciais oferecendo recarga como um serviço adicional", comenta Lima. "De shoppings a restaurantes, há um mercado emergente para quem quer atrair clientes com carros elétricos."
O episódio também levanta questões sobre o comportamento dos próprios donos de veículos elétricos. "É comum ver pessoas deixando o carro carregando por horas além do necessário", relata o gerente de uma rede de postos de recarga. "Alguns até usam o carregador público como estacionamento gratuito, sem sequer conectar o veículo."
Com informações do: Quatro Rodas