A renomada compositora Yoko Shimomura, responsável pelas trilhas sonoras icônicas de Kingdom Hearts e várias franquias da Square Enix, recentemente compartilhou insights fascinantes sobre seu processo criativo durante sua visita ao Brasil. Em uma conversa franca, ela revelou que compor para o universo da Disney apresenta desafios únicos que muitos não consideram.
O desafio de compor para mundos da Disney
Shimomura explicou que criar música para os mundos da Disney dentro de Kingdom Hearts é "muito mais difícil" do que as pessoas imaginam. Não se trata apenas de capturar a essência dos filmes clássicos, mas de equilibrar essa identidade com a estética própria da Square Enix. "Cada mundo da Disney tem sua personalidade musical única, e precisamos honrar isso enquanto mantemos a coesão da trilha sonora geral do jogo", revelou a compositora.
O que muitos não percebem é que essa não é uma simples tarefa de imitação. Shimomura precisa estudar minuciosamente as partituras originais, entender a linguagem musical específica de cada filme, e então criar algo que seja ao mesmo tempo familiar e novo. É um equilíbrio delicado entre nostalgia e inovação que exige uma sensibilidade musical extraordinária.
Processo criativo e colaboração
Durante sua apresentação, Shimomura detalhou como seu processo criativo varia dependendo do projeto. Para Kingdom Hearts, ela frequentemente começa com esboços melódicos que capturam a emoção central de cada cena ou personagem. "Às vezes a melodia vem primeiro, outras vezes é o arranjo orquestral que define o tom", compartilhou.
O que me surpreendeu ao aprender sobre seu método é como ela consegue manter a identidade musical consistente através de tantos jogos diferentes. Ela mencionou que trabalha em estreita colaboração com os diretores e designers para garantir que cada nota sirva à narrativa e à jogabilidade. Essa abordagem colaborativa é essencial quando se lida com propriedades tão amadas quanto os clássicos da Disney.
O legado na Square Enix e além
Além de Kingdom Hearts, Shimomura falou sobre seu trabalho em outras franquias da Square Enix, incluindo Final Fantasy e várias outras propriedades. Ela refletiu sobre como a indústria dos games evoluiu desde que começou sua carreira, e como as expectativas para trilhas sonoras se tornaram mais complexas.
"Os jogadores hoje esperam uma experiência cinematográfica completa, e a música é parte fundamental disso", observou. Ainda assim, ela mantém sua filosofia de que a melhor trilha sonora é aquela que você não percebe conscientemente, mas que profundamente molda sua experiência emocional com o jogo.
Shimomura também compartilhou algumas histórias pessoais sobre momentos específicos de composição que foram particularmente desafiadores ou gratificantes. Uma delas envolvia criar o tema para um personagem que passava por uma transformação emocional significativa - ela precisou capturar tanto a dor quanto a esperança em uma única peça musical.
Um aspecto particularmente interessante que Shimomura destacou foi a diferença entre compor para personagens originais da Square Enix versus os icônicos personagens da Disney. "Com Sora, Riku e Kairi, tenho mais liberdade criativa para explorar temas musicais originais", explicou. "Mas quando se trata de Mickey, Donald e Pateta, existe uma responsabilidade enorme de manter a integridade musical que já está estabelecida há décadas."
Ela contou uma história fascinante sobre o processo de criação da música para o mundo de "Frozen" em Kingdom Hearts III. A equipe da Disney foi incrivelmente específica sobre como as melodias deveriam interagir com "Let It Go", mantendo a essência sem simplesmente replicar a canção original. Foi um quebra-cabeça musical que exigiu múltiplas versões até encontrar o equilíbrio perfeito.
A evolução técnica das trilhas sonoras
Shimomura também refletiu sobre como as mudanças tecnológicas impactaram seu trabalho ao longo dos anos. "Quando comecei na indústria, estávamos limitados pelos chips de som dos consoles. Hoje, podemos gravar com orquestras completas, mas isso traz seus próprios desafios", observou. A transição de sintetizadores para gravações orquestrais ao vivo representou uma curva de aprendizado significativa para ela e muitos outros compositores de games.
O que muitas pessoas não consideram é que gravar com uma orquestra real não é apenas uma questão de orçamento, mas de timing e coordenação com o desenvolvimento do jogo. "Temos que compor músicas para cenas que ainda estão sendo desenvolvidas, o que significa que às vezes estamos criando para algo que pode mudar completamente semanas depois", explicou Shimomura. Essa natureza fluida do desenvolvimento de games adiciona camadas extras de complexidade ao processo criativo.
O impacto das expectativas dos fãs
Durante a sessão de perguntas, Shimomura foi questionada sobre como lida com as altas expectativas dos fãs, especialmente considerando o sucesso monumental de trilhas anteriores como "Dearly Beloved". Ela admitiu que a pressão é real. "Cada novo jogo traz essa ansiedade criativa - será que conseguirei capturar a mesma magia? Será que os fãs vão se conectar com as novas músicas da mesma forma?"
Mas ela também compartilhou que os fãs são uma fonte de inspiração. "Quando ouço histórias de pessoas que usaram minha música em seus casamentos, ou que superaram momentos difíceis ouvindo minhas composições, isso me dá forças para continuar criando." Essa relação simbiótica entre artista e audiência parece ser um dos motores centrais de sua criatividade.
Um momento particularmente emocionante foi quando ela falou sobre receber cartas de jovens músicos que decidiram seguir carreira na composição depois de jogar Kingdom Hearts. "Saber que estou inspirando a próxima geração de compositores é uma das partes mais gratificantes do meu trabalho", disse com visível emoção.
Desafios específicos de composição
Shimomura entrou em detalhes técnicos fascinantes sobre alguns dos desafios mais específicos que enfrenta. Por exemplo, compor para batalhas contra chefes requer uma abordagem diferente da música de exploração. "A música de batalha precisa ter energia constante, mas também precisa evoluir organicamente - não pode ser repetitiva, mesmo que o jogador fique preso no mesmo chefe por horas", explicou.
Ela também mencionou a complexidade de criar transições musicais suaves entre diferentes áreas e situações dentro do jogo. "O jogador não deve perceber quando uma música termina e outra começa - a transição precisa ser natural, como em um filme bem editado." Essa atenção aos detalhes técnicos muitas vezes passa despercebida pelos jogadores, mas é fundamental para a experiência imersiva.
Outro ponto interessante foi sua abordagem para compor temas para personagens que evoluem ao longo da série. "O tema de Riku em Kingdom Hearts I é muito diferente do tema dele em Kingdom Hearts III porque o personagem amadureceu tremendamente", observou. "A música precisa refletir essa jornada emocional."
Shimomura revelou que mantém um arquivo extenso de temas e motivos musicais que desenvolveu ao longo dos anos, frequentemente revisitando e reinventando elementos para novos jogos. "Às vezes, um pequeno motivo de três notas de um jogo anterior pode se tornar a base para algo completamente novo anos depois", compartilhou. Essa abordagem intertextual cria uma rica tapeçaria musical que conecta toda a série.
Com informações do: IGN Brasil

