Em uma declaração surpreendente que está agitando a comunidade gamer, Hideki Kamiya, o lendário criador por trás de franquias icônicas como Bayonetta e Devil May Cry, lançou um desafio público a Hideo Kojima. A provocação veio através das redes sociais, onde Kamiya sugeriu que talvez ele mesmo precise criar um sucessor espiritual do aclamado e cancelado PT, caso Kojima não o faça.
O legado de PT e o vazio no gênero de terror
PT, sigla para Playable Teaser, não era apenas um jogo - era uma experiência que redefiniu o terror psicológico nos games. Lançado em 2014 como uma demonstração misteriosa para Silent Hills, o projeto foi cancelado após a saída tumultuada de Kojima da Konami. O que muitos não esperavam era que aquela demo curta se tornaria um marco cultural, influenciando não apenas jogos de terror, mas a própria maneira como as desenvolvedoras abordam o suspense e a narrativa ambiental.
E aqui está a ironia: Kamiya admitiu abertamente que odeia o gênero de terror. Essa contradição torna sua declaração ainda mais fascinante. Por que um designer que não gosta de terror se sentiria compelido a preencher essa lacuna? Talvez porque mesmo ele reconheça que há algo especial na abordagem de Kojima que transcende o gênero.
O que torna PT tão singular até hoje?
Passados quase dez anos desde seu lançamento, PT continua sendo estudado e referenciado. Sua jogabilidade aparentemente simples - andar por um corredor que se modifica a cada loop - escondia camadas profundas de narrativa e terror psicológico. A experiência era tão imersiva e perturbadora que muitos jogadores não conseguiam terminá-la.
O jogo também inovou tecnologicamente. O motor gráfico Fox Engine, desenvolvido pela Kojima Productions, permitiu visualmente incríveis e uma atmosfera opressiva que poucos jogos conseguiram igualar. A performance de Norman Reedus como protagonista e a direção de Guillermo del Toro completavam um pacote que parecia destinado ao sucesso.
O desafio entre dois visionários
Kamiya não está apenas pedindo por outro jogo de terror - ele está desafiando um colega a retornar à forma de um projeto que se tornou lendário precisamente porque foi interrompido. Existe uma certa poesia nisso: um criador reconhecendo que há um espaço que apenas outro criador específico pode preencher adequadamente.
Mas será que Kojima está interessado em revisitar esse território? Após o cancelamento de Silent Hills, ele fundou sua própria empresa e lançou Death Stranding, um jagem completamente diferente em tom e estilo. Embora elementos de suspense e mistério permaneçam presentes em seu trabalho, o foco claramente mudou.
E quanto à possibilidade de Kamiya realmente tentar criar algo similar? Sua admissão de que "não tem ideias" e seu aversion ao gênero sugerem que talvez isso seja mais um chamado à ação do que um plano concreto. Mas na indústria dos games, nunca se sabe - rivalidades criativas muitas vezes produzem os resultados mais interessantes.
O que me surpreende é como PT, uma demo inacabada, conseguiu cativar tanto a imaginação dos jogadores e desenvolvedores. Quantos projetos cancelados alcançaram status de culto dessa maneira? É como se a natureza incompleta do trabalho permitisse que cada jogador preenchesse os espaços vazios com seus próprios medos e expectativas.
O impacto cultural além dos games
O fenômeno PT transcendeu a esfera dos videogames de maneira impressionante. Artistas visuais começaram a recriar o infame corredor em instalações de arte, youtubers dedicaram horas de análise aos seus simbolismos, e até mesmo psicólogos discutiram seus efeitos na mente dos jogadores. Essa demo de menos de uma hora de gameplay gerou mais conteúdo derivado do que muitos jogos completos.
Lembro de conversar com um amigo designer que me contou sobre uma exposição em Tóquio onde reconstruíram o corredor de PT em escala real. As pessoas pagavam para entrar e a experiência era tão intensa que vários participantes desistiam antes de chegar ao final. Isso diz muito sobre o poder da ambientação que Kojima e sua equipe criaram.
Por que nenhum jogo conseguiu replicar a magia?
Desde o cancelamento, surgiram diversos títulos que tentaram capturar a essência de PT. Visage, Allison Road, Layers of Fear - todos beberam da mesma fonte, mas nenhum conseguiu exatamente a mesma combinação de terror psicológico, narrativa fragmentada e tecnologia impressionante. É como tentar recriar uma receita secreta quando falta o ingrediente principal: a visão única de Kojima.
Parte do problema, acredito, está na tentativa de imitar rather than inovar. PT funcionou porque era genuinamente surpreendente - ninguém esperava aquela experiência quando baixaram a demo. Os desenvolvedores que tentam copiá-lo estão partindo de uma expectativa já estabelecida, o que automaticamente diminui o impacto.
E tem aquela questão técnica: o Fox Engine era absurdamente avançado para sua época. A iluminação, os reflexos, os detalhes texturizados - tudo contribuía para uma imersão que ainda hoje impressiona. Muitos estúdios independentes simplesmente não têm recursos para alcançar esse nível de polimento visual.
O que está em jogo para Kojima e Kamiya?
Kamiya sabe que está fazendo mais do que apenas um pedido - está colocando Kojima em uma posição interessante. Após o sucesso crítico de Death Stranding, que dividiu opiniões mas definitivamente solidificou sua reputação como inovador, voltar ao terror poderia ser visto como um passo atrás? Ou seria justamente o contrário: uma oportunidade de mostrar que pode dominar múltiplos gêneros com igual maestria?
Para Kamiya, a provocação também é estratégica. Ele sempre foi conhecido por seus jogos de ação frenética e estilo exagerado - imaginar ele tentando criar algo no estilo de PT é quase cômico. Mas talvez essa seja exatamente a point: às vezes, é preciso sair completamente da zona de conforto para criar algo verdadeiramente original.
O timing também é curioso. Com o recente ressurgimento do interesse em jogos de terror psicológico e a nostalgia pelos anos 2010, talvez o mercado esteja finalmente pronto para um sucessor espiritual de PT. E se não for Kojima... bem, será que Kamiya está realmente considerando a possibilidade?
O papel das plataformas e da comunidade
O que muitas pessoas não consideram é como a landscape das plataformas digitais mudou desde 2014. PT foi removido da PlayStation Store, tornando-se uma relíquia digital impossível de obter legalmente. consoles com a demo instalada chegaram a ser vendidos por milhares de dólares no eBay - um testemunho do status quase mítico que alcançou.
Hoje, com a facilidade de distribuição digital e a popularidade de plataformas como Steam, Epic Games Store, e até mesmo serviços de streaming, um projeto como PT teria muito mais reach e permanência. A questão é: as publisher modernas teriam a coragem de lançar algo tão experimental e arriscado?
E a comunidade... ah, a comunidade. Os fãs de PT são alguns dos mais dedicados que já vi. Mesmo depois de todos esses anos, ainda surgem novas teorias, análises e até mods tentando expandir a experiência. Essa devoção contínua é tanto um incentivo quanto uma pressão para qualquer um que tentasse criar um sucessor.
Às vezes me pergunto se parte do apelo de PT está justamente em sua natureza incompleta. Como uma obra de arte inacabada de um mestre renomado, ela permite que nossa imaginação preencha os espaços vazios - e frequentemente, o que imaginamos é mais assustador do que qualquer coisa que poderia ter sido implementada.
Com informações do: IGN Brasil