Os desenvolvedores da One More Level, conhecidos pelo aclamado Ghostrunner, estão dando uma guinada significativa em sua trajetória. Depois de estabelecerem uma identidade sólida no universo cyberpunk com parkour eletrizante e combates ultrarrápidos, o estúdio polonês está se preparando para mergulhar em águas completamente diferentes.

Uma transição ambiciosa de gênero

O que torna essa mudança particularmente interessante é o contraste radical entre os projetos. Ghostrunner, seu título de estreia, era frequentemente descrito como "Doom a 220 volts" - uma experiência frenética que priorizava velocidade e precisão acima de tudo. Agora, a equipe está desenvolvendo um RPG soulslike em primeira pessoa ambientado em uma versão corrupta e alternativa das Guerras Napoleônicas.

Essa não é apenas uma mudança de ambientação, mas uma transformação completa na filosofia de design. De cyberpunk distópico para histórico-fantástico; de ação vertiginosa para combate metódico estilo souls; de narrativa minimalista para provavelmente um mundo mais expansivo e explorável.

O universo alternativo das Guerras Napoleônicas

A escolha do período histórico é fascinante. As Guerras Napoleônicas (1803-1815) representam um momento crucial na história militar europeia, marcado pela transição entre táticas tradicionais e a guerra moderna. A ideia de corromper esse período com elementos fantásticos ou sobrenaturais oferece um potencial narrativo enorme.

Imagine: batalhas épicas com regimentos napoleônicos enfrentando criaturas sobrenaturais, ou talvez a corrupção se manifestando através de tecnologia steampunk avançada para a época. A ambientação permite explorar temas de ambição desmedida, corrupção do poder e o impacto da guerra na sociedade - temas que ressoam tanto no período histórico quanto em nossa realidade contemporânea.

Desafios e oportunidades para a desenvolvedora

Mudar tão drasticamente de gênero representa um risco considerável para qualquer estúdio, especialmente um que encontrou sucesso crítico e comercial com uma fórmula específica. No entanto, também demonstra maturidade artística e coragem criativa.

A experiência da One More Level com combate preciso e movimento fluido em Ghostrunner pode se traduzir surpreendentemente bem em um soulslike. Mecânicas de esquiva, timing de ataques e padrões de aprendizado de chefes são elementos que ambos os gêneros compartilham, mesmo que em velocidades diferentes.

O fato de ser em primeira pessoa também é interessante - uma abordagem menos comum no gênero soulslike, que tradicionalmente privilegia a terceira pessoa para melhor percepção espacial durante combates. Isso sugere que a equipe pode estar trazendo lições aprendidas com Ghostrunner para criar algo verdadeiramente único.

Resta saber como os fãs do estúdio receberão essa mudança radical. Transições entre gêneros tão distintos nem sempre são bem-sucedidas, mas quando funcionam, podem resultar em experiências memoráveis e inovadoras. A coragem de abandonar uma fórmula vencedora para explorar novos territórios criativos é, por si só, digna de atenção.

O que me intriga particularmente é como a equipe abordará a narrativa neste novo contexto. Ghostrunner era relativamente minimalista em sua storytelling, confiando mais na ambientação e no gameplay do que em diálogos extensos ou tramas complexas. Um RPG soulslike, por natureza, exige uma construção de mundo mais densa, lore profundamente entrelaçada com a jogabilidade e personagens memoráveis.

Será que veremos um sistema de diálogos? Como a corrupção do período napoleônico se manifestará mecânica e visualmente? A presença de elementos sobrenaturais ou tecnologicamente anacrônicos será explicada através da narrativa ou simplesmente apresentada como uma premissa a ser aceita? São perguntas fascinantes que só o tempo – e talvez alguns trailers – responderão.

Lições do passado, visão para o futuro

A transição da One More Level não é totalmente sem precedentes dentro da indústria. Lembro-me de quando a Arkane Studios deixou a relativa segurança de sua fórmula Immersive Sim com Dishonored para mergulhar em Deathloop, uma experiência mais orientada para a ação e loops temporais. O risco foi recompensado com aclamação da crítica. Da mesma forma, a CD Projekt Red pivotou drasticamente de The Witcher 3 para Cyberpunk 2077, embora com resultados mais mistos inicialmente.

O que diferencia essa mudança é o timing. A One More Level não está fazendo isso após uma longa série de sucessos em um gênero, mas sim imediatamente após seu primeiro grande acerto. Isso demonstra either uma confiança extraordinária ou uma vontade feroz de não ficar presa a uma identidade criativa única desde o início.

Parte de mim questiona se não seria mais prudente primeiro solidificar sua expertise no gênero action com talvez uma sequência para Ghostrunner antes de such um salto criativo. Mas outra parte admira profundamente a audácia. A indústria de games precisa constantemente de estúdios dispostos a correr riscos criativos, especialmente aqueles que já provaram seu valor técnico e artístico.

O potencial único do combate em primeira pessoa

Um aspecto que pode ser o trunfo secreto deste projeto é a perspectiva em primeira pessoa. Enquanto a maioria dos soulslikes – Dark Souls, Elden Ring, Nioh – opera em terceira pessoa, existem exemplos notáveis que quebraram esta convenção com sucesso. Kingdom Come: Deliverance, embora não estritamente um soulslike, trouxe um sistema de combate medieval complexo e satisfatório em primeira pessoa. Mortal Shell e Hellpoint experimentaram com câmeras mais próximas que borram a linha entre primeira e terceira pessoa.

A expertise da One More Level em fazer a primeira pessoa sentir-se intensa e visceral em Ghostrunner – onde cada esquiva, parry e movimento precisava ser preciso e responsivo – pode traduzir-se perfeitamente para um soulslike. Imagine a tensão de encarar um oficial napoleônico corrompido com baioneta calada, vendo diretamente através dos olhos do seu personagem cada movimento ameaçador, cada abertura momentânea para um contra-ataque.

O combate corpo a corpo em primeira pessoa apresenta desafios únicos de design – como comunicar claramente os ataques inimigos que vêm de fora do campo de visão, como criar sensação de impacto quando você não vê seu próprio personagem reagindo aos golpes – mas quando bem executado, pode criar uma imersão e intensidade que a terceira pessoa simplesmente não consegue igualar.

E quanto ao parkour? Ghostrunner era fundamentalmente sobre movimento fluido vertical. Num setting histórico como as Guerras Napoleônicas, é difícil imaginar um protagonista escalando paredes e fazendo parkour como um ninja cybernético. Mas talvez elementos de movimento vertical ainda possam estar presentes – escalar fortificações durante cercos, navegar por campos de batalha caóticos com terreno acidentado, ou talvez até mesmo usando equipamentos anacronicamente avançados graças à corrupção steampunk do mundo.

A equipe de design certamente enfrentará o desafio de adaptar sua expertise em movimento para um contexto onde o realismo histórico – mesmo que corrompido – impõe certas limitações. Como balancear a fluidez de movimento que definiu Ghostrunner com a sensação de peso e consequência que define o gênero soulslike?

Com informações do: IGN Brasil